Vivendo a Soberania de Deus


Na edição anterior de “A Espada e a Espátula” escrevi sobre que ser reformado não é principalmente uma forma de pensar sobre as questões de fé, é um caminho e estilo de vida. Explanei como a vida de um cristão deve ser vivida tendo a Cristo no coração das nossas vidas. Se temos a Cristo, como centro e Senhor; com certeza, temos a Deus como Pai.

Também, colocamos que um compromisso intelectual com certas teologia, realmente é só isso, intelectual. Portanto, esta não tem nenhum valor na nossa vida, se a nossa forma de pensar não reflete na nossa forma de viver. Isto se faz visível na forma em que louvamos e adoramos a Deus.

Nós Reformadores somos um povo que damos somente glória a Deus em todas as coisas. No artigo de hoje, gostaria refletir sobre que produz em nós este desejo verdadeiro e sincero.

Você já percebeu quando você agita uma bússola, a agulha começa a se mover também? Contudo, se você para de agitá-la, então a agulha para de mover-se e será atraída pelo ponto magnético mais forte, ou seja, apontando ao Polo Norte. Da mesma forma, se falamos que somos teocêntrico, então estamos falando que os nossos corações foram e tem sido atraídos por Deus. Ainda que a vida nos agite de vez em quando.

Mas o que faz que um coração seja atraído a Deus? Vamos considerar algumas opções:

I. PODER

Um fator determinante, que observamos em diversas igrejas brasileiras, é como Deus é todo-poderoso. Se conversamos com pessoas sobre Deus, uma das respostas será o testemunho de como Deus é poderoso. Afinal, é normal poderosos atraírem seguidores. Os ricos, os criadores de opinião e os famosos conhecem o que significa ter seguidores.

Porem, alem de agragar, o poder também causa dispersão. Encontramos uma historia interessante de um povo que se encontrava aos pés do Monte Sinai. Israel tinha sido redimido, salvo, do mais poderoso império da época, Egito. Agora, o povo de Deus se encontrou diante do Seu Senhor. Perceberam o poder imenso de Deus. Por um lado, era maravilhoso saber que Deus todo-poderoso estava com eles e, por outro lado, tinham medo diante de um Ser Divino tão poderoso. Lemos em Êxodo 20:18-19,
“Todo o povo presenciava os trovões, os relâmpagos, o som da trombeta e o monte que fumegava. Vendo isso, o povo ficava de longe, tremendo de medo. E disseram a Moisés: Fala tu mesmo conosco, e ouviremos; mas não fale Deus conosco, senão morreremos.”
Porem, se a única coisa importante em Deus fosse ser todo-poderoso, então seria muito difícil viver uma vida Teocêntrica, porque uma vida Teocêntrica demanda que não somente amemos a Deus, mas que nos aproximemos de Deus. Isto se faz difícil quando lemos a história do Êxodo. O sol é belo quando é observado de longe, mas se tivéssemos que caminhar sobre ele, seriamos consumidos rapidamente. Assim, é com um Deus Todo-poderoso e Santo.

II. BONDADE E MISERICORDIA

Como Reformados, reconhecemos que Deus é todo-poderoso, mas conhecemos Ele é mais que somente Seu poder. Também, reconhecemos que Deus é benevolente. Isto pode ser observado quando Moisés pede a Deus: “Mostra-me Tua glória.” A resposta de Deus foi, “Farei passar toda a minha bondade diante de ti e te proclamarei o meu nome, o Senhor...”

Logo, lemos em Êxodos 34:5-6: “O SENHOR desceu numa nuvem e, pondo-se junto a ele, proclamou o nome do SENHOR. Tendo o SENHOR passado diante de Moisés, proclamou: SENHOR, SENHOR, Deus misericordioso e compassivo, tardio em irar-se e cheio de bondade e de fidelidade.

Deus é Todo-poderoso. Niguem pode negar este fato. Contudo, Sua “bondade” não é somente seu poder, mas sua misericórdia. Charles Spurgeon uniu dois atributos de Deus, como “Soberanamente Clemente.”
Coloca os dois juntos, bondade e soberania, e verás a glória de Deus. Se tomas somente a soberania, não entenderas Deus. Algumas pessoas só tem a ideia da soberania de Deus, mas não sua bondade; tais ideias são sombrias, severas e mal-humoradas. Deves colocar os dois juntos; que Deus é bom, e que Deus é soberano. Deves falar da graça soberana. Deus não é somente graça, Ele é soberano. Ele não é soberano somente, mas Ele é soberano benevolente. Isto é a melhor ideia de Deus. Quando Moises diz, “Rogo-te que me mostres tua glória.” Deus faz que ele pudesse ver que Ele era glorioso, e que Sua glória era sua bondade soberana.” Spurgeon – sermão 3120 - A View of God's Glory
Assim, a bondade soberana de Deus é que dá forma ao coração dos cristãos que desejam viver em um caminho teocêntrico. Quando os reformadores falam da “bondade soberana” de Deus, ou a “graça soberana,” isso pode ser um termo a ser usado extensamente. Nós reformados vemos toda a vida através das lentes da glória de Deus, vemos a bondade soberana de Deus exibida em todos as aspectos da vida. Por exemplo, é a graça soberana de Deus que tem dado criatividade aos homens para produzir arte, filmes e teatro que nós inspiram.

JESUS: O PRISMA SOBERANO

Evidentemente, existe uma forma de falar mais especialmente sobre a graça soberana de Deus, referindo-se a pessoa de Jesus Cristo. Se desejamos ver a luz do sol na sua plenitude, isto pode ser feito usando-se um Prisma. A luz é observada em todas as suas cores espectrais através do Prisma. Jesus Cristo é o prisma da graça soberana de Deus. Toda a bondade de Deus passa através do prisma de Jesus Cristo onde se pode observar essa bondade soberana de tal
forma que entendamos e observamos a graça de Deus claramente.

Assim, podemos viver uma vida de acordo a essa graça bondosa e soberana. Por exemplo, conhecemos que a provisão de Deus é parte da misericórdia soberana. Se consideramos a provisão de Deus na sua total plenitude, podemos surpreender-nos pelo que isto significa na nossa vida.

No evangelho de Marcos, encontramos a história de um pai que leva o filho a Jesus, porque muitos tem tentado curar o jovem, inclusive os próprios discípulos, mas não tinham tido sucesso.
E alguém dentre a multidão lhe respondeu: Mestre, eu te trouxe meu filho, que tem um espírito mudo. Onde quer que o apanhe, provoca-lhe convulsões, de modo que ele espuma pela boca, range os dentes e começa a se enrijecer. Pedi aos teus discípulos que o expulsassem, mas eles não conseguiram. E Jesus lhes respondeu: Ó geração incrédula! Até quando estarei convosco? Até quando terei de suportá-los? Tragam-me o menino. Então eles o trouxeram. Ao ver Jesus, o espírito imediatamente provocou-lhe uma convulsão, e o endemoninhado, caindo ao chão, rolava, espumando pela boca. Jesus perguntou ao pai dele: Há quanto tempo isso lhe acontece? Ele respondeu: Desde a infância. E muitas vezes o tem lançado no fogo e na água, para destruí-lo. Mas se podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos. Ao que lhe disse Jesus: Se podes? Tudo é possível ao que crê. Imediatamente o pai do menino clamou:* Eu creio! Ajuda-me na minha incredulidade” (Marcos 9:17-24)
Onde está a provisão de Deus nesta história? Primeiro, tanto o pai, como o jovem, necessitavam da cura para restaurar a saúde do jovem e liberta-los da escravidão de Satanás. Segundo, o pai não tinha suficiente fé. “Ajuda minha descrença” é sua oração a Jesus. A soberania de Deus em Jesus é reconhecida. Ele podia curar o jovem, Ele podia dar fé ao pai.

A graça de Deus em Jesus Cristo pode ser observada no fato de que não só Ele pode curar o jovem, e não que somente Ele pode dar fé ao pai, mas Jesus deseja fazer exatamente isso.
Vendo que a multidão, correndo, aglomerava-se, Jesus repreendeu o espírito impuro, dizendo: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai dele e nunca mais entres nele. Então o espírito saiu, gritando e agitando-o muito. O menino ficou como se estivesse morto, de modo que muitos diziam: Ele morreu. Mas Jesus, tomando-o pela mão, levantou-o, e ele ficou em pé” (Marcos 9:25-27)
Deste modo, vemos como a soberania e a graça vem juntas no prisma de Jesus Cristo, sendo vivido pessoalmente na vida do pai e do seu filho. Aqueles dentre nos que temos vivido a graça soberana de Deus refletida sob nossas vidas através do prisma de Jesus, realmente somos pessoas transformadas, mudadas para sempre.

NOVAS CRIATURAS

A experiência da bondade soberana de Deus faz que sejamos convertidos em novas criaturas, que comecemos uma nova vida pelo Espírito Santo. Percebemos que, certamente, somos pecadores e estamos mortos espiritualmente, mas a graça soberana de Deus nos traz a vida, vida eterna, sendo hoje o primeiro dia dessa nova vida.

Confessamos nosso pecados e nos arrependemos – mudamos nossas atitude o respeito o pecado – buscando agora viver prioritariamente para a glória de Deus em todas as coisas. Isto só é possível através do prisma de Jesus Cristo, porque Ele é o mediador entre Deus e os homens.

Quando precisamos da santidade que não existe em nós, reconhecemos que Deus é soberano e benevolente. Ele pode dar santidade, e deseja concedê-la ao Seu povo eleito, mas Ele faz isso através do prisma de Jesus Cristo.

Quando precisamos de misericórdia, reconhecemos que Deus é soberano e bondoso. Ele pode dar misericórdia e deseja dar ao Seu povo eleito, mas Ele faz isso através do prisma de Jesus Cristo.

Quando precisamos cultivar um coração amoroso, reconhecemos que Deus é soberano e misericordioso. Ele nos pode dar um coração amoroso e deseja dar ao Seu povo eleito, mas Ele faz isso através do prisma de Jesus Cristo.

Assim, encontramos que como reformados não vivemos somente “Sola Deo Gloria” (somente glória a Deus), mas vivemos também “Sola Christus” (somente Cristo). Isto é através do prisma de Cristo.

- Solus Christus -


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Texto da minha autoria publicado na revista "A Espada e a Espátura do Projeto Spurgeon, Maio de 2012.


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