Além dos mil anos


Um tratado sobre escatologia e o milênio, em relação ao mandato cultural, o Reino de Deus e uma teologia da esperança para as futuras gerações.

Nem lembro quando foi a primeira vez que ouvi falar do Milênio, nem lembro muito bem o que pensei quando falaram sobre isso. Com certeza, não entendi do que estavam falando.

O Milênio tem se voltado um assunto bem popular entre os cristãos e, inclusive, entre os não-cristãos a partir dos livros e dos filmes da série, “Deixados para trás.” Pessoalmente, isto é a única coisa boa que tenho encontrado nesses livros. Contudo, a posição ensinada em “deixado para trás” tem se convertido na posição mais popular entre os evangélicos americanos e europeus, e, inclusive afirmaria, entre os evangélicos brasileiros.

Devo dizer que sempre fico com um pé atrás quando se tenta fazer toda uma doutrina a partir de um só texto, porque vai dar uma confusão danada. E, realmente, o Milênio dá uma confusão danada, somente precisamos entrar em qualquer fórum de debate para observar os debates apaixonados que acontecem ao redor do Milênio. Agora bem, também, discordo da posição confortável daqueles que desejam ignorar este debate com a desculpa de que o tema divide os cristãos. Os ministros precisamos entender as questões e ter uma posição própria, ainda que reconhecemos nossas limitações de entendimento. Afinal, a congregação local que tem sido confiada a nós, será exposta mais cedo ou mais tarde a estas questões e outras. E temos um dever de cuidar, proteger e instruir as ovelhas confiadas pelo Bom Pastor.

Que é o Milênio?

O Milênio se refere a um período de 1000 anos que é mencionado no livro de Apocalipse 20.1-3, 7-8, “Vi descer do céu um anjo com a chave do abismo e uma grande corrente na mão. Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e o amarrou por mil anos. Lançou-o no abismo, onde o fechou e pôs um selo sobre ele, para que não enganasse mais as nações, até que os mil anos se completassem. Depois disso é necessário que ele seja solto por um pouco de tempo... Quando se completarem os mil anos, Satanás será solto da prisão e sairá para enganar as nações que estão nos quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, cujo número é como a areia do mar, a fim de ajuntá-las para a guerra.”

O milênio é um período de mil anos onde o reinado de Cristo acontece, como lemos no texto de Apocalipse. Este texto é interpretado de três formas, principalmente, amilenismo, pós-milenismo e pré-milenismo. Este último se divide no pré-milenismo histórico e no pré-milenismo dispensacionalista. Também, o pré-milenismo está subdividido em pré- tribulação, pós- tribulação ou meio tribulação. Em poucas palavras, existem divergências consideráveis entre as diversas posições. Isto é devido a que as diversas posições precisam ter posições prévias sobre outras questões para chegar a uma posição final referente ao milênio.

Ainda que este tratado não tente explicar todas as posições em profundidade, vamos analisar brevemente as três correntes principais de pensamento aqui.

Amilenismo

Amilenismo significa literalmente “nenhum milênio.” Isto não quer dizer que o amilenismo acredite que não existe nenhum milênio, o que significa é que amilenismo não acredita num milênio entendido de forma literal e futura.

O amilenismo ensina que o milênio de Apocalipse 20 representa o período entre a primeira vinda de Cristo e sua segunda vinda. Portanto, entendem o texto de Apocalipse 20, como um período longo de tempo, e não como um tempo literal de mil anos. Esta afirmação está baseada no uso dos números na Bíblia. Por exemplo, o Salmo 50:10 fala das “mil montanhas,” mas realmente se refere a todas as montanhas. Também, se observa o mesmo principio em Salmos 90.4.

O amilenismo explica que a prisão de Satanás acontece neste momento. Sua prisão deve ser entendida no contexto de não enganar as nações por mais tempo (Apocalipse 20:3). Assim, Satanás não pode impedir o evangelho de ser pregado entre as nações e as pessoas de aceitar as boas de Cristo. O amilenismo acredita que Satanás está preso a partir de Mateus 12:29. Neste texto do evangelho, Jesus usa a mesma palavra grega para amarrar que aparece em Apocalipse 20:2. Ele afirma que “o homem valente [Satanás]” deve ser amarrado. Jesus está falando da vinda do reino, mediante a pregação do evangelho (Mateus 12:14-21, Mateus 28-30). Assim, Mateus 12:29 interpreta Apocalipse 20:2, e mostra que o resultado da prisão de Satanás é o sucesso do evangelho entre as nações no Novo Testamento.

O amilenismo, portanto, não espera um milênio ainda por vir, mas crê que estamos no meio do milênio agora, e que, quando o milênio terminar, o fim do mundo terá chegado. Esta era do Novo Testamento é a última era do mundo.

À diferença dos pré-milenistas, os amilenistas não esperam um rapto mil anos antes do fim, nem uma vinda de Cristo mil anos antes do fim, nem esperam que a grande tribulação ocorra mil anos antes do fim do mundo. Eles acreditam que todos estes eventos ocorrerão no fim e serão seguidos pela vida eterna.

O amilenismo ensina que a “trombeta” (1Coríntios 15:51-52) é a última, e que seguindo o rapto (1Tessalonicenses 4:16,17), os eleitos estarão para sempre com o Senhor. Da mesma forma, no ensino amilenista a grande tribulação de Mateus 24:29 é imediatamente seguida pela trombeta que anuncia a segunda vinda de Cristo.

À diferença dos pós-milenistas, o amilenismo não ensina um período de paz e prosperidade sem precedentes para a igreja antes do fim, mas toma seriamente a verdade bíblica de que a grande tribulação da igreja precederá o final de todas as coisas – que naqueles últimos dias “sobrevirão tempos difíceis” (2Timóteo 3:1), tempos nos quais “os homens perversos e impostores irão de mal a pior” (v. 13).

O amilenismo tem sido acusado como sendo uma escatologia pessimista, contudo os próprios amilenistas não aceitam tal afirmação. Eles afirmam que acreditam que Cristo reina, e que com poder soberano faz com que todas as coisas, mesmo as tristes, cooperem juntamente para o bem dos seus amados.

Pós-milenismo

Pós-milenismo significa literalmente “depois do milênio.” Esta posição foi explicada de forma clara por Loraine Boettner no seu livro “O Pós-milênio.” Ele diz sobre o pós-milenismo, “este é o ponto de vista sobre as últimas coisas que mantém que o reino de Deus esta sendo agora expandido no mundo através da pregação do evangelho e a obra salvadora do Espírito Santo, que o mundo eventualmente será Cristianizado, e que a volta de Cristo ocorrerá ao final de um longo período de justiça e paz, comumente chamado de milênio.”

Outro autor pós-milenista, Dr. Kenneth L. Gentry, define assim esta posição, ““O pós-milenismo espera que a proclamação do... evangelho... ganhe a vasta maioria dos seres humanos para Cristo na presente era. O aumento do sucesso do evangelho produzirá gradualmente um tempo na história antes do retorno de Cristo no qual a fé, justiça, paz e prosperidade prevalecerão nos assuntos do povo e das nações. Após uma extensa era de tais condições, o Senhor retornará visível e corporalmente, e em grande glória, terminando a história com a ressurreição geral e o grande julgamento de toda a humanidade.”

Os amilenistas e pós-milenistas tem muito em comum na sua interpretação de Apocalipse 20. Contudo, existem certas divergências entre os dois, como mostra as definições anteriores. Contudo, se pode resumir a resposta que demos à seguinte pergunta:

“Será a era da Igreja (idêntico com ou inclusivo do reino milenar) um tempo de prosperidade evidente para o evangelho na Terra, com a igreja a alcançar um crescimento e influência mundial tal que o Cristianismo se converta no principio geral e não a exceção à regra? Esta questão separa os amilenistas (que dizem não) dos pós-milenistas (que dizem sim).” - Greg Bahnsen.

Existe uma extensa base bíblica para o otimismo pós-milenista, tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento:

No Antigo Testamento: Num. 14:21; Salmos 2:6-9; Salmos 22:27-28; Salmos 47; Salmos 72:8-11; Salmos 110:1-2; Salmos 138:4-5 (veja Salmos 102:15); Isaías 2:2-4; 9:6-7; Isaías 11:6-10; Isaías 45:22-25; Isaías 65; Isaías 66; Jeremias 31:31-34; Daniel 2:31-35; Zacarias 9:9; Zacarias 13:1; Zacarias 14:9.

No Novo Testamento: Mateus 13:31-33; Mateus 28:18-20; João 12:31-32; João 16:33; I João 2:13-14; I João 3:8; I João 4:4,14; I João 5:4-5; Atos 2:32-36, 41; Romanos 11:25-32; I Cor. 15:20-26, 57-58; Hebreus 1:8-9,13; Hebreus 2:5-9; Apocalipse 2:25-27; Apocalipse 3:7-9; Apocalipse 7:9-10; Apocalipse 11:15; Apocalipse 19:11-21.

Uma das posições mais controvertidas e mais ativas do pós-milenismo, é aquela conhecida como Reconstrucismo Cristão (teonomista) que tem entre os seus principais pensadores: Rousas John Rushdoony, Greg Bahnsen, Gary DeMar, e Gary North.

Pré-milenismo

Pré-milenismo significa literalmente “anterior ao milênio.” Os pré-milenistas, como os pós-milenistas, acreditam que os mil anos serão literais e representa uma era dourada na Terra, onde o mundo será fortemente Cristianizado. Ao contrário do pós-milenismo, o pré-milenismo acredita que a presente era da igreja continuará até que, com a proximidade do fim, venha sobre a terra um período de grande tribulação e sofrimento. Depois desse período de tribulação no final da era da igreja, Cristo voltará à terra para estabelecer um reino milenar. Quando ele voltar, os crentes que tiverem morrido serão ressuscitados, terão o corpo reunido ao espírito, e esses crentes reinarão com Cristo sobre a terra por mil anos. Durante esse tempo, Cristo estará fisicamente presente sobre a terra em seu corpo ressurreto e dominará como Rei sobre toda a terra. Os crentes ressuscitados e os que estiverem sobre a terra quando Cristo voltar receberão o corpo glorificado da ressurreição, que nunca morrerá, e nesse corpo da ressurreição viverão sobre a terra e reinarão com Cristo. Quanto aos incrédulos que restarem sobre a terra, muitos (mas não todos) se converterão a Cristo e serão salvos. Jesus reinará em perfeita justiça e haverá paz por toda a terra. Muitos pré-milenistas sustentam que a terra será renovada e veremos de fato o novo céu e a nova terra durante esse período (mas a fidelidade a esse ponto não é essencial ao pré-milenismo, pois é possível ser pré-milenista e sustentar que o novo céu e a nova terra virão só depois do juízo final). No início desse tempo, Satanás será preso e lançado no abismo, de modo que não terá influência sobre a terra durante o milênio (Ap 20.1-3).

De acordo com o ponto de vista pré-milenista, no final dos mil anos Satanás será solto do abismo e unirá as forças com muitos incrédulos que se submeteram externamente ao reinado de Cristo, mas por dentro revolvem-se em revolta contra ele. Satanás reunirá esse povo rebelde para batalhar contra Cristo, mas serão derrotados definitivamente. Cristo então ressuscitará todos os incrédulos que tiverem morrido ao longo da história, e esses comparecerão diante dele para o julgamento final. Uma vez realizado o juízo final, os crentes entrarão no estado eterno.

Contudo, não encontramos base bíblica nenhuma para a idéia de mil anos de espaço entre a segunda vinda de Cristo e o Juízo Final. Jesus Cristo diz, “Porque o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um segundo suas obras” (Mt. 16.27) e, também, “Quando, pois, o Filho do homem vier na sua glória, e todos os anjos com ele, então se sentará no seu trono glorioso; e todas as nações serão reunidas diante dele; e ele separará uns dos outros, à semelhança do pastor que separa as ovelhas dos cabritos... E eles irão para o castigo eterno, mas os justos irão para a vida eterna” (Mt. 25.31-32, 46).

O Arrebatamento

Uma das doutrinas que os pré-milenistas dão muita atenção, é aquela relacionada ao arrebatamento. Esta doutrina ensina que, quando Cristo volte, todos os eleitos que estão mortos serão levantados e transformados em um estado de glória, juntamente com os eleitos vivos, e então serão levados para estar com Cristo. O principal texto para esta idéia de arrebatamento surge de 1 Tessalonicenses 4.16-17, “Porque, ouvida a voz do arcanjo e ressoada a trombeta de Deus, o próprio Senhor descerá do céu com grande brado, e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que estivermos vivos, seremos arrebatados com eles nas nuvens, ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor.”

Os pré-milenistas ensinam que a segunda vinda de Cristo será precedida por um tempo de grandes dificuldades e perseguição do povo de Deus (2 Tess. 2.1-4). Este período é chamado de tribulação. Até inicio do século 19, a maioria de cristãos pré-milenistas concordavam que o arrebatamento, ainda que não era chamado assim, aconteceria imediatamente antes do período de perseguição. Esta posição é chamada hoje de “pós-tribulação,” porque ensina que o arrebatamento será depois do arrebatamento.

No inicio do século 19, um padre católico-romano, Emmanuel Lacunza, começou a popularizar a doutrina da pré-tribulação, sendo popularizada por John Nelson Darby, um clero anglicano que abandonou a Igreja de Irlanda (anglicana) para organizar os Irmãos de Plymouth e líder do movimento fundamentalista, que seria conhecido como dispensacionalista. Este ponto de vista seria popularizado por C.I. Scofield através da sua bíblia de estudo, chamada Bíblia de Referência de Scofield, a qual foi distribuída com muito sucesso na Inglaterra e América. Assim, a posição pré-tribulacionista ganhou espaço e adeptos entre as igrejas evangélicas, sendo fortemente impregnada nas igrejas pentecostais.


Outras posições minoritárias são conhecidas como meio-tribulação, porque afirmam que o arrebatamento acontecerá durante a tribulação. Também, existem aqueles que afirmam uma série de arrebatamentos contra a idéia de um só arrebatamento. Isto tem causado muitas divisões dentro deste campo de pensamento e conflitos realmente agressivos.

O principal problema do dispensacionalismo é o espaço entre a segunda vinda de Cristo e o Juízo Final, porque, indiretamente, afirmam que Cristo estará voltando duas vezes, uma para o arrebatamento no início da tribulação e, outra, no final da tribulação, quando será estabelecido o milênio. Este conceito não se encontra em nenhum lugar nas Escrituras. De fato, contradiz claramente aqueles textos que falam desta questão (Marcos 13:24–27; Mateus 24:26–31; 2 Tess. 2:1–12). De fato, os que defendem esta posição precisam ler os seguintes textos de uma forma determinada para poder fazer o mais mínimo sentido aos mesmos (João 14:3; 1 Tess. 4:17; 1 Cor. 15:52).

Qual é a posição anglicana?

O Anglicanismo não tem uma posição definida sobre esta questão. Geralmente, os Anglicanos tem sido principalmente amilenistas, ainda que se encontram também pós-milenistas entre eles, principalmente na África e Europa. O pré-milenismo histórico tem sido quase inexistente, com algumas exceções como o bispo J C Ryle. Pessoalmente, não conheço nenhum teólogo anglicano de peso que seja dispensacionalista.

Os 39 Artigos da Religião não fazem nenhuma menção, possivelmente devido à existência de várias opiniões entre os Reformadores Ingleses. Nos 42 Artigos, o arcebispo Tomas Cranmer escreve um artigo onde menciona “o Milenismo” que era uma pequena seita que existiu no século 16 na Inglaterra e Europa. Em qualquer caso, tudo indica que a mesma já não existia, ou era irrelevante, devido a que qualquer menção à mesma foi eliminada nos 39 Artigos da Religião.

O Milenismo representa uma posição semelhante em certos aspectos ao que hoje representa o pré-milenismo dispensacionalista, ou a visão escatológica dos Testemunhos de Jeová ou Adventistas, entre outras seitas.

Minha posição

No que se refere ao milênio, minha posição está bem próxima daquelas representadas por São Agostinho, João Calvino, Keith A. Mathison, Kenneth Gentry e R.C. Sproul. Enquanto à teologia da esperança do Reino de Deus, me sinto identificado com Abraham Kuyper, Francis Schaeffer, John Wimber, James Kennedy, Colin Urquhart e Terry Virgo.

Em linhas gerais, vejo Apocalipse 20, simbolicamente, e não entendo que o milênio será um período de mil anos, mas se refere ao período em que nos encontramos agora, entre a primeira e a segunda vinda de Cristo. Acredito que estamos no tempo do Reino, um tempo em que Cristo reina no Céu e na Terra através da Sua Igreja.

Acredito na coexistência do reino de Deus e do reino da escuridão, contudo o reino de Deus prevalece e crescerá através da pregação do evangelho e do resgaste das pessoas do reino da escuridão até que a presença do reino da escuridão seja mínima e as nações sejam transformadas pelo testemunho, valores e princípios bíblicos através da ação democrática dos cristãos, como discípulos obedientes aos ensinos de Cristo.

As Escrituras mostram o poder do evangelho, como lemos, o evangelho “é o poder de Deus para a salvação” (Romanos 1.16) e que a “Ao SENHOR pertencem a terra e tudo o que nela existe, o mundo e os que nele habitam” (Salmos 24.1). Acredito que a Igreja recebeu um mandato apostólico para fazer visível o Reino de Deus através da Igreja, “ide, fazei discípulos de todas as nações” (Mt. 28.19). Acredito que o futuro das nações não está nas mãos dos governos e autoridades, mas da Igreja de Cristo (1 Cor 15.58). “E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim” (João 12.32). Por este motivo, acredito que “assim como as águas cobrem o mar, a terra se encherá do conhecimento da glória do SENHOR” (Habacuque 2.14)

Por estes textos e outros, acredito que o reino de Deus avançará constantemente, ainda que enfrentemos oposição no caminho. A vitória final será na segunda volta de Cristo quando o Rei venha tomar o Seu Reino e, deste modo, julgar os vivos e os mortos.

A comunhão dos santos reina diante do Trono da Graça (Heb 4.16, veja também Apocalipse 20.4; Apocalipse 4.4; Apocalipse 11.16), onde Cristo reina a partir do Céu. Será na volta de Jesus que Ele reinará fisicamente na Terra, com toda a companhia dos santos.

Acredito que satanás está amarrado de tal forma (Apocalipse 20.3; veja também Mateus 12.29) que não pode impedir o avanço do evangelho através da transformação do mundo (Romanos 12.1-2). Interessante o texto dos discípulos voltando de uma missão e felizes de como os demônios estavam sujeitos a eles, Jesus diz, “Eu vi Satanás cair do céu como um raio” (Lucas 10:18). Deste modo, Satanás está amarrado, ainda que tem capacidade de atacar, “O Diabo, vosso adversário, anda em derredor, rugindo como leão que procura a quem possa devorar” (1 Pedro 5:8).

Nos encontramos em uma tensão entre a realidade que observamos, e a realidade que estamos chamados a viver. Deste modo, devemos reconhecer a vitória que temos em Cristo, como temos sido resgatados das mãos de satanás, e reconhecer que estamos em meio de uma guerra espiritual, a qual já foi vencida por Cristo na cruz. Isto faz sentido à oração e intercessões; chama à obra social e à compaixão como expressão do amor de Deus; requer nossa participação na sociedade, e nos faz ver que a mensagem de Cristo segue sendo relevante para cada área da vida. Assim, fazemos visível o Reino de Deus, porque os valores do Reino confrontam os valores do mundo, e transformam os mesmos pela pregação do evangelho e pela transformação da mente. Deste modo, a Constituição do Reino, conhecida como o Sermão da Montanha (Mateus 4.23 – 7.29), nos mostra o caminho da perfeição.

Nunca esqueçamos que o propósito da Igreja é fazer visível o Reino de Deus na Terra em cada geração. Isto requer o mandato cultural e a justiça social, a fidelidade à Palavra de Deus, a recuperação do discipulado bíblico, e as missões, tanto nacionais como internacionais.

Além dos mil anos

Acredito firmemente nas palavras de Abraham Kuyper, “Nenhuma peça única de nosso mundo mental deve ser isolada do resto e não há um centímetro quadrado no domínio total da existência humana sobre o qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: 'Meu'.”

CONTUDO, não posso identificar-me com um teonomista. Se compartilho alguns aspectos com este movimento, e tenho aprendido com estes irmãos, também tenho percebido um crescente desacordo com suas posições. O mandato cultural (Gênesis 1.28) é fundamental ao reconstrucionismo cristão e, também, acredito na sua importância, contudo não pode ser considerado próprio este ideal. Os teonomistas buscam estabelecer leis do Antigo Testamento, como leis civis nos governos atuais, uma vez os cristãos sejam maioritários em uma nação; mas o mandato cultural, per se, busca somente descobrir os princípios bíblicos, incluindo sim a lei civil, porém isto não implica uma literal atualização das leis civis de Israel (no Antigo Testamento) aos tempos atuais.

De fato, estas leis foram dadas ao povo de Deus no Antigo Testamento, em outras palavras a Israel. Se estas leis tivessem que ser aplicadas na atualidade, seriam aplicadas à Igreja que é o povo de Deus na nova aliança, e não as nações. Por este motivo, devem ser entendidos os princípios bíblicos que encontramos nas leis civis de Israel, sendo entendidas e aplicadas à luz do novo pacto, como Jesus faz. Por exemplo, o caso da mulher apanhada em adultério em João 8.3-11. A lei mosaica obrigava esta mulher a ser apedrejada, mas isso não foi o que Jesus faz. Ele a perdoou e ordenou não pecar mais. Assim, a lei mosaica foi aplicada à luz da graça. Por certo, nos versículos posteriores a este episódio, Jesus proclama sua missão, leia atentamente João 8.12-59.

Nos 39 Artigos da Religião, lemos “ainda que a Lei de Deus, dada por meio de Moisés, no que respeita a Cerimônia e Ritos, não obrigue os cristãos, nem devem ser recebidos necessariamente os seus preceitos civis em nenhuma comunidade; todavia, não há cristão algum que esteja isento, da obediência aos Mandamentos que se chamam Morais” (Artigo 7).

Estes princípios tem governado a Inglaterra por muitos séculos, sendo o país que tem o mais antigo governo parlamentarista que houvesse podido ser ininterrompido, se não houvesse sido pela ditadura puritana do século 17.

Esta posição também tem inspirado através de Abraham Kuyper, Francis Shaeffer, Emmanuel Mounier, Étienne Gilson, e Jacques Maritain, o que é conhecido como social-cristianismo na Europa. Estes intelectuais foram peças chave para apresentar uma alternativa às crescentes ideologias totalitaristas no passado século na Europa. Assim, aportaram uma perspectiva cristã e democrática da sociedade atual. Infelizmente, a democracia-cristã européia tem abandonado os princípios dos seus primeiros pensadores e líderes políticos.

Uma advertência final

Enquanto muitos se preocupam observando os sinais do céu e os titulares dos jornais, esquecemos do mais importante: glorificar a Deus em cada aspecto nas nossas vidas, na família, na igreja e na comunidade.

Tenhamos sempre presentes as palavras do apóstolo Pedro, “Mas vós, amados, não ignoreis uma coisa: um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos, como um dia. O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a considerem demorada. Mas ele é paciente convosco e não quer que ninguém pereça, mas que todos venham a se arrepender. Contudo, o dia do Senhor virá como ladrão, no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, queimando, se dissolverão, e a terra e as obras que nela há serão descobertas. Se todas essas coisas serão assim destruídas, que tipo de pessoa deveis ser? Pessoas que vivem em santidade e piedade, aguardando e esperando ansiosamente a vinda do dia de Deus; por causa desse dia, os céus se dissolverão pelo fogo, e os elementos, ardendo, derreterão. Nós, porém, segundo sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça. Por isso, amados, enquanto aguardais essas coisas, esforçai-vos para que sejais achados em paz por ele, imaculados e irrepreensíveis” (2 Pedro 3:8–14).

A Igreja precisa urgentemente despertar ao seu mandato de emissária do evangelho e comunidade viva do Reino de Deus na Terra. As posições que separam a Igreja na sociedade, impedem a Igreja de ser sal e luz nas nações.

A Deus seja toda a glória, agora e sempre.

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