Sempre ouvi sobre a importância das Escrituras, porém nunca vi o mesmo interesse pela Igreja. De fato, a doutrina evangélica sempre foi meio fraca quando se fala da Igreja.
Hoje, escuto a muitos cristãos falando da Igreja como se
fosse uma coisa distante e sem nenhuma relevância na vida dos crentes.
Portanto, não fico surpreso que muitos cheguem a acreditar que só precisam que
duas ou três pessoas estejam juntas para ser igreja, conforme a interpretação
literal que fazem de Mateus 18.20.
Será que este texto realmente ensinou isso? O contexto está
falando do perdão dos pecados e da autoridade que se tem quando dois ou três
cristãos tomam uma decisão a respeito desta questão. Portanto, este texto no
seu contexto está falando de disciplina cristã.
Então, deveríamos perguntar como é que este texto terminou
sendo o símbolo do que forma uma verdadeira igreja. Infelizmente, só posso
chegar a uma conclusão. Os Cristãos hoje não conhecem as Escrituras.
David Watson, um pastor anglicano grande amigo de John
Wimber (fundador das igrejas Vineyard), escreveu que o grande pecado da Reforma
foi sua incapacidade de manter a unidade da Igreja.
Realmente, acredito nas suas palavras. Inclusive, acho que a
crise da Igreja atual é fruto da pobre eclesiologia (a doutrina sobre a Igreja)
que tem sido ensinada aos cristãos por gerações.
Os Pais da Igreja escreveram, “Não pode ter Deus como Pai
quem não tem a Igreja como Mãe” (São Cipriano, século III).
A maioria dos meus leitores vão ter dificuldades com esta
declaração. Gostaria que primeiro escutassem meus argumentos e pensassem antes
de tomar uma decisão final.
Somos cristãos, porque existiram muitas gerações antes de
nós que se mantiveram fiéis às Escrituras através dos séculos. Sem o testemunho
deles, possivelmente a maioria de nós não seriamos hoje cristãos. De fato, qual
é sua historia de conversão? Como Deus levou você ao ponto de reconhecer o seu
Filho, como Senhor e Salvador?
Possivelmente, tem envolvidos vários cristãos e, inclusive,
uma igreja local.
O apóstolo Paulo escreveu, “Como, pois, invocarão aquele em
quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como
ouvirão, se não houver quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados?
Como está escrito: "Como são belos os pés dos que anunciam boas
novas!"” (Romanos 10.14-15)
Este texto nos lembra o papel apostólico da igreja na proclamação do evangelho. Contudo, tem muito mais em que precisamos pensar.
Se houvéssemos nascido em uma ilha, pode ser que pudéssemos
chegar a acreditar no Deus verdadeiro. Porém, será que chegaríamos a entender a
Trindade, a deidade de Cristo ou muitas outras doutrinas essenciais da fé
Cristã?
Minha resposta é que possivelmente não. Devido a que Cristo
estabeleceu a Igreja, não estabeleceu ilhas.
Em Atos 8, lemos uma história bem interessante. Filipe, que
se encontrava em meio a um “avivamento”,
foi levado a um lugar longe para encontrar-se com o eunuco Etíope. Ele estava
meditando na Palavra, e não conseguia entender o significado do texto em
questão. De fato, Filipe foi usado para abrir o entendimento do eunuco. E,
provavelmente, ele foi usado por Deus para que o evangelho chegasse à Etiópia,
uma das primeiras nações cristãs na África.
Os Pais da Igreja entendiam a igreja como mãe, porque a
Igreja está chamada a ensinar, instruir, nutrir e cuidar dos filhos de Deus.
Não em vão, a Igreja teve que proteger a sã doutrina nos primeiros séculos.
Inclusive, em meio a perseguição que teve que enfrentar.
O apóstolo Paulo escreve, “Escrevo-lhe estas coisas embora espere ir vê-lo em breve; mas, se eu
demorar, saiba como as pessoas devem comportar-se na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e fundamento
da verdade” (1 Timóteo 3.14-15, ênfase meu)
Em Judas 3, lemos, “Amados,
embora estivesse muito ansioso por lhes escrever acerca da salvação que
compartilhamos, senti que era necessário escrever-lhes insistindo que
batalhassem pela fé uma vez por todas
confiada aos santos.”
A Igreja é a portadora da verdade, sendo responsável para
transmitir esta verdade de geração a geração. Nós somos a Igreja. Não algum
E.T. perdido em meio da nebulosa estelar.
Sempre achei interessante o fato de não haver mais cego que
aquele que não quer ver. As Escrituras são claras, mas os próprios preconceitos
evitam que possamos ver as verdades eternas das Escrituras.
Isto se fez visível com toda sua clareza no concilio de
Jerusalém em Atos 15. Uma frase resume a verdade negada fortemente por tantos
dos nossos irmãos, “Pareceu bem ao Espírito Santo e a
nós...” (Atos 15.28). Este texto mostra que o Espírito Santo não se
encontra enfrentado com a igreja, mas a igreja trabalha com o Espírito Santo na
tomada de decisões.
Ao mesmo tempo, este não foi um concilio de uma igreja local
(o que falamos no Anglicanismo uma paróquia), mas de toda a igreja universal
reunida em Jerusalém.
A Igreja, reunida em Concilio, decide as verdades através da
correta interpretação das Escrituras e da orientação do Espírito Santo. Não é
uma decisão de um só homem, ou a revelação de um profeta, nem o estudo de uma
pessoa. Atos 15 mostra o modelo onde os apóstolos e presbíteros reunidos
tomavam decisões. Por certo, este concilio foi presidido por Tiago, que foi o
primeiro bispo de Jerusalém.
Hoje, temos o ensino de um pastor que fala em nome de Deus e
o povo escuta admirado, sem perceber, nem discernir, se o texto em questão está
ensinando aquilo que o pastor está falando.
Cada igreja, cada pastor, e cada cristão, atuam como ilhas
no meio de um grande oceano chamado igreja. Contudo, o modelo nas Escrituras é
bem diferente.
Os cristãos não são ilhas, nem as igrejas são. Quando a
mentalidade de ilha entrou na igreja, começamos a ter divisões, uma atrás da
outra, até chegar ao absurdo de ter divisões sem outro motivo que ter uma visão
diferente. Mas, quem falou que isto era motivo suficiente para separar-se de
uma igreja para começar outra?
Fico ainda mais chocado quando o pastor tenta justificar
dando o exemplo do apóstolo Paulo e Barnabé. Porém se esquece do simples fato
de que seguiram sendo membros da mesma igreja, nunca dividiram a igreja, só
continuaram trabalhando pelo Reino através da Igreja sem ficar juntos.
A interpretação deste texto e outros nos mostra até que ponto temos absorvido uma
mentalidade individualista na Igreja hoje.
Os cristãos precisam encontrar alguma “desculpa” (leia-se
texto) na Bíblia para poderem parecer santos diante dos irmãos. O grave problema
é que existe uma grande dose de rebeldia no individualismo latente nas nossas igrejas.
Isto ainda tem piorado por causa da desfragmentação entre milhares de igrejas
que surgem constantemente.
Temos esquecido que um dos pontos da Reforma foi a questão
de autoridade. Ainda que eles não conseguiram manter-se unidos, tinham clara a
necessidade de permanecer como a igreja una, ao mesmo tempo, que estavam sob
autoridade.
Se esquecemos que todos devemos estar sob autoridade na
igreja, então surgem pequenos pastores que seguem sistemas monárquicos de
governo, como aconteceu com o Papado. Não em vão, todos podemos conhecer
pastores que, quando se aposentaram, foram substituídos pelo filho ou cunhado.
E, evidentemente, nem vou falar das igrejas que tem na Diretoria toda a família
do pastor.
Irmãos, igreja não é negócio, não é empresa. Igreja é coisa
mais séria.
A ironia é que somos as igrejas históricas, chamadas de
tradicionais, que temos o nome de ser “religiosas” e pouco-bíblicas. Porém, se
observamos atentamente a igreja de hoje, realmente são as igrejas históricas
que tem sistemas de governo muito mais saudáveis, se são fiéis às autoridades
instauradas por Cristo. E não estou falando de um homem sobre todos, mas de
concílios, que decidem em oração e aclamação a direção da igreja.
Afinal, se desejamos saber de onde surgiram a narrativa das
doutrinas essenciais, precisaríamos olhar os diversos concílios universais que
aconteceram nos primeiros séculos da igreja.
Afinal, foi um concilio local quem fechou o Cânon do Novo
Testamento (Concilio de Cartago, 397 d.C.) e, depois, foi aceito por toda a
igreja universal. A igreja não tinha uma lista definitiva até fins do século
IV. Não deveríamos ficar surpresos com isso, porque Deus segue atuando como
sempre faz, “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós...” (Atos
15.28).
“Um livro, dois Testamentos, três Credos, quatro Concílios
Gerais, cinco séculos e a serie dos Pais nesse período determinam as fronteiras
da nossa fé” - Bispo Lancelot Andrews (1555-1626).
Precisamos da Igreja hoje mais que nunca. Mas não de
qualquer igreja, as pessoas clamam pela Igreja verdadeira. Se desejamos ser essa
Igreja, precisamos ser a Igreja de sempre. Do contrário, estamos condenados a cometer
os mesmos erros do passado, e ensinar os mesmos erros que causaram a Reforma.
Como bispo, amo a Igreja, porque amo a Deus. Não posso dizer
que amo a Deus, se não amo a Igreja. Simplesmente, não é possível. Ainda com
todos os seus defeitos, a Igreja segue sendo o povo de Deus na Terra. Somos
chamados a ser luz e sal no mundo e a fazer, assim, visível o Reino de Deus.
Sejamos novamente a Igreja que Jesus fundou.
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