Nos últimos dias tenho lido muito sobre as opiniões dos cristãos sobre o período da ditadura, tudo causado por causa de um artigo da revista “Isto é Independente,” ainda que preciso dizer que de independente tem bem pouco essa revista, como tampouco as outras duas (Veja e Época).
Não sou brasileiro, e nasci no final da ditadura de Franco
na Espanha. Portanto, nem percebi a ditadura franquista na Espanha, nem conheci
a ditadura militar do Brasil.
Estive envolvido desde bem jovem em movimentos estudantis,
ecológicos, de direitos humanos e partidos políticos, onde caminhei desde o
marxismo-leninismo até onde estou hoje. Sempre fui um patriota valenciano, até
hoje.
Lendo os comentários sobre os eventos acontecidos no tempo
da ditadura a partir de uma perspectiva do século 21, acho que vamos cometer
muitos erros. Os tempos eram outros, e eram tempos onde a vida ainda não tinha
o valor que hoje vemos nela.
Os comunistas, e socialistas, tinham ainda a idéia romântica
das mudanças através da revolução do proletariado. Olhavam para Cuba e URSS,
esperançosos com as promessas de um mundo melhor. Hoje, vemos que isto só era
propaganda política. Os países sob o Pacto de Varsóvia são os países mais
empobrecidos de toda a Europa. Na África, também vemos como a revolução
socialista foi causadora da pobreza extrema que hoje encontramos em Angola e
Moçambique.
Os países socialistas perseguiram fortemente aos cristãos.
Também, se consideramos a liberdade (de qualquer índole) nestes países, observamos
que era pouca, ou nenhuma.
Diante do avanço comunista na América Latina e no mundo, os
USA sentiam que tinham um dever de lutar contra o socialismo. Na verdade, não foram
só os USA. Mas a França e o Reino Unido estavam fortemente envolvidos nos
conflitos das suas colônias na África e na Ásia.
Nesta luta contra o socialismo proletário, USA cometeu um
grave erro. Usar os militares para estabelecer ditaduras que acabariam
cometendo excessos em favor da ordem estabelecida, ainda que seja
inquestionável que as ditaduras militares da América do Sul não foram tão
cruéis quanto as repúblicas socialistas. Contudo, estaremos cometendo um erro
fazendo esta comparação. Porque um pecado não se justifica dizendo que foi um
pecado menor que outro pecado. Pecado sempre será pecado.
O que infelizmente é certo, é que diante do avance do
socialismo, nenhum estadista da época foi capaz de construir uma alternativa às
ditaduras militares ou às revoluções socialistas.
Diante disto, os Cristãos escolheram uma das duas opções.
Ambas igualmente iníquas, mas com o desejo de criar um mundo melhor.
Possivelmente, poderíamos dizer utópico.
Os nossos irmãos viviam no tempo da Revolução de 68; a luta
no Vietnam contra o avanço comunista; os movimentos independentistas na África,
e novos países abraçando a causa socialista. Che Guevara era o último herói e
mártir da causa. O Concílio Vaticano trouxe uma revolução à Igreja de Roma. O
homem chegava à lua e o que se acreditava como impossível, começava a ser possível...
e era uma guerra fria que enfrentava visões opostas e enfrentadas a morte
(literalmente).
Não sei o que houvesse feito no meio daquele contexto,
talvez falta muita humildade quando olhamos a história, inclusive a história
recente, para reconhecer que, talvez, houvéssemos sido parte daqueles que hoje
criticamos.
E, não, não sou, nem fui, a favor da ditadura, nem seria
hoje. E, com certeza, não estaria com os socialistas, exceto se me houvesse
encontrado em minha juventude mais inocente.
O fato é que o melhor antídoto contra o comunismo foi o
Cristianismo. Por isso, ninguém pode esquecer o papel de João Paulo II em
conseguir que o muro de Berlim, finalmente, fosse história. Ou as igrejas que
foram instrumentos para frear a ideologia marxista em muitos países, porque os
jovens trocaram o marxismo pela verdade do evangelho.
Pessoalmente, foi trágico que ninguém percebeu a necessidade
de uma via media entre a ditadura
militar e a ditadura do proletário. Este era o papel da Igreja. Contudo, os
cristãos estamos sempre fazendo o jogo aos políticos e os governantes temporários,
esquecendo assim o grande chamado de fazer visível o Reino de Deus na Terra.
Contra as ditaduras, sempre existiu o parlamentarismo que
seguirá sendo o melhor sistema entre os piores sistemas. Como
disse Churchill, “a democracia é o pior dos regimes, salvo todos os demais.”
Como Anglicano, sinto uma grande alegria ao falar das raízes
parlamentaristas da Inglaterra (o primeiro parlamento foi em 1264) e dos
concílios da Igreja da Inglaterra, como também a tenho como valenciano que
estabeleceu seu parlamento em 1283, ainda que perdeu a sua liberdade em 1707.
As Igrejas onde a Reforma (século 16) teve sucesso
desenvolveram sistema “parlamentares” (chamados de concílios, seguindo o
exemplo de Atos 15).
Hoje, vemos nas igrejas evangélicas sistemas de governo que
nos lembram as antigas ditaduras e monarquias absolutas. Infelizmente, estas
novas propostas de governo eclesiástico vão acompanhados de lideranças
carismáticas e populistas, tanto nas igrejas como nos governos. Afinal, não em
vão, podemos sempre ouvir aquelas palavras, “não toques ao meu ungido,” sem
perceber a terrível hermenêutica que fazem deste texto.
Não em vão, as Escrituras nos ensinam, “se vos permanecerdes
na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; conhecera a verdade, e
a verdade te fará livre” (João 8.31-32).
O problema foi que o povo brasileiro pereceu por falta de
conhecimento (Oseas 4.6). Ficaram envolvidos no
mundo, sem perceber, que a resposta não se encontrava nas propostas ideológicas
dos homens, mas se encontra na idéia do Reino de Deus.
Devido a que a liderança da Igreja não tem ajudado a formar
aos cristãos a ter um claro conhecimento do Reino e viver a realidade do Reino
de Deus hoje, o povo de Deus tem caído em propostas populistas que tem
desenvolvido uma classe ou outra de ditadura e, portanto, de opressão.
Interessante é quando percebemos que os partidos políticos não
formavam parte, ao princípio, no sistema parlamentário. Foi quando os homens
começaram a dar as costas a Deus, e começar a buscar ideologias que poderiam
ser substitutas do Reino de Deus, que começariam a surgir partidos políticos
que defendiam certas ideologias contra as outras.
Quando a Igreja perde de vista o Reino de Deus, então o povo
de Deus substitui o Reino pelas ideologias dos homens. Deste modo, termina
acontecendo aquilo que observamos nos anos 60 no Brasil.
Somos injustos quando falamos sobre a história a partir da
nossa posição ideológica atual. Porque, deste modo, perdemos a capacidade de
entender a complexidade histórica no seu contexto social, econômico e político.
Realmente, acho que precisamos ser mais humildes quando
julgamos uns aos outros. Sobretudo, porque condenamos aqueles que achamos que
atuaram de certo jeito, mas não percebemos a realidade que os levou a atuarem
deste jeito. Precisamos escutar o que os outros estão dizendo. Assim, talvez,
sejamos capazes de ver que as duas partes atuaram erroneamente devido às
circunstâncias que encontraram diante deles... e a incapacidade de ver outras
alternativas.
Pessoalmente, acredito que erraram principalmente porque
perderam de vista o Reino de Deus, tanto os que estiveram a favor da ditadura militar como aqueles que
estavam com o movimento socialista. De fato, estou seguro que, se os vencedores
houvessem sido os outros, também houvéssemos visto o mesmo por parte daqueles
que foram vencidos.
Aprendamos dos erros do passado, despertemos à realidade
atual e estejamos dispostos a compreender que, também, hoje, estamos envolvidos
em um verdadeiro conflito de cosmovisões, só que não aparece com essa intensidade,
porém é real em nosso meio. E, não estejamos surpreendidos com este fato,
porque sempre foi assim, desde que Jesus estabeleceu a Igreja.
Contudo, temos certeza do que o Reino de Deus está no nosso
meio. Jesus diz, “se expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente é
chegado a vós o Reino de Deus. Quando um homem forte guarda armado a sua casa,
estão em segurança os bens que possui. Mas se sobrevier outro mais forte do que
ele e o vencer, este lhe tirará todas as armas em que confiava, e repartirá os
seus despojos. Quem não está comigo, está contra mim; quem não recolhe comigo,
espalha” (Lucas 11.20-23).
Precisamos despertar a esta realidade, precisamos esquecer
os interesses partidistas e as ideologias dos homens, e recuperar a cosmovisão
cristã e, assim, ensinar as nossas comunidades a obedecer a tudo o que Jesus
falou. Isto significa que os governantes, magistrados, líderes, empresários,
igrejas, etc., devem seguir a Lei de Deus, viver o amor de Cristo e
compartilhar a graça do Espírito Santo.
Sejamos corajosos contra as ditaduras e os opressores deste
mundo, porque o tempo de satanás acabou e, agora, vivemos no tempo do Reino de
Deus.
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