Crescendo na graça - As Escrituras Sagradas



Um amigo chileno me diz uma vez que a Reforma Inglesa não começou com Lutero, mas começo dois séculos antes. Logo, ele comentou que a Reforma Inglesa deveria ser considerada a partir de Wycliffe e os Lollardos, porque as características da Reforma na Inglaterra tinham sido influenciadas pelas gerações posteriores de Lollardos que se uniriam aos teólogos e clero influenciados pelas ideias de Lutero no século 16.

John Wycliffe (1328-1384) defendeu a ideia que qualquer ideia ou pensamento que não pudesse provado pela Bíblia, então não deveria ser uma doutrina oficial da Igreja. Isto incluía doutrinas tais como transubstanciação, indulgencias, confissão privada, devoção aos santos, autoridade papal, entre outros. A convicção de Wycliffe era tal sobre a autoridade das Escrituras Sagradas que ele produz uma tradução ao inglês, permitindo ao povo ter acesso a Bíblia. Diante das acusações apresentadas contra ele, Wycliffe respondeu, "estou pronto para defender minhas convicções até a morte... tenho seguido as Escrituras Sagradas e os santos teólogos (pais da igreja)". A influência de Wycliffe não foi somente na Inglaterra, ele inspirou a Jan Huss, clero da Boémia, que começou um movimento seguindo o exemplo de Wycliffe na Inglaterra. Diante da iminente morte na fogueira, Hus disse as seguintes palavras: "Vocês hoje estão queimando um ganso (Hus significa "ganso" na língua boêmia), mas dentro de um século, encontrar-se-ão com um cisne. E este cisne vocês não poderão queimar". Esta profecia se cumpriu com Lutero.

A Reforma Inglesa recebeu a influenciada de Wycliffe e Lutero, dois homens que deram suas vidas para disponibilizar as Escrituras Sagradas nas mãos do povo. Neste sentido, é que deve ser lido o Artigo de Fé de hoje. Gerald Bray escreve no livro, "O Artigos 6 não diz nada sobre a inspiração divina da Escritura ou como deve ser interpretada, mas o ponto de vista Anglicano nestas questões se encontra na homilia sobre Escritura, que Cranmer também escreveu" (The Faith We Confess, pg. 48).

Quando o leitor lê o Artigo 6, a luz da informação histórica apresentada, se compreende melhor o significado deste artigo de fé:

ARTIGO VI - DAS SAGRADAS ESCRITURAS
As Escrituras contêm todas as coisas necessárias para a salvação; de modo que tudo o que nela não se lê, nem por ela se pode provar, não deve ser exigido de pessoa alguma que seja crido como artigo de Fé ou julgado como exigido ou necessário para a salvação. Pelo nome de Escrituras Sagradas entendemos os Livros canônicos do Antigo e Novo Testamentos, de cuja autoridade jamais houve qualquer dúvida na Igreja.
Os livros chamados comumente "Os Apócrifos," não formam parte das Escrituras Canónicas; e, portanto, não devem ser usados para estabelecer doutrina alguma; nem devem ser lidos publicamente na Igreja. Recebemos e contamos por canónicos todos os Livros do Novo Testamento, segundo comumente são recebidos.

Este artigo da fé faz uma importante diferença, as vezes ignorada hoje, entre as coisas necessárias para a salvação e aquelas que são beneficiais, mas não essenciais. Agostinho de Hipona escreveu em uma ocasião, "Nas coisas essenciais, a unidade; nas coisas não essenciais, a liberdade; em todas as coisas, a caridade". Este artigo foi escrito para mostrar que encontraremos nas Escrituras Sagradas todas as coisas que são necessárias para a salvação, são estas as coisas que os cristãos precisam obedecer e seguir para sua edificação e vida cristã.

A Bíblia contém perfeitamente a revelação escrita de Deus que não é outra que as boas novas do evangelho e o plano de Deus para a redenção da humanidade. As Escrituras ainda quando falam de muitas outras questões, não tem como alvo principal dar respostas detalhadas sobre todos os aspectos da ciência, história, literatura, entre outros. Seria esperar muito de uma coleção de livros, ainda que seja a verdadeira e única Palavra escrita de Deus para os homens. Isto não significa negar a verdade, inspiração ou inerrância das Escrituras, pelo contrário é reconhecer qual é o proposito principal da bíblia. Aqueles que só conseguem observar o mundo em branco e preto, quiçá tenham dificuldade com esta declaração, no entanto não deveriam.

Existe uma diferença importante entre as coisas que são próprias a sã doutrina e a verdadeira fé, e aquelas que a igreja tem autoridade de orientar e administrar, ainda quando as mesmas não são necessárias para a salvação. Inclusive, aquelas igrejas que afirmam somente seguir os ensinos diretos das Escrituras, na prática têm costumes e práticas que as Escrituras mantém o silêncio ou não mostram uma definição clara. Evidentemente, isto não significa que temos direito de ensinar qualquer coisa que seja contraria as Escrituras, tampouco adicionar coisa alguma que não esteja claramente na Palavra de Deus.

Uma vez dito isto, existe liberdade em obediência a Palavra de Deus para a Igreja decidir nas coisas que não são necessárias para a salvação, nem contrarias a Escritura, que sejam de beneficio para o povo de Deus e, de acordo, a prática da Igreja de Cristo através dos séculos e o princípio de catolicidade que nos ensina a compreender e interpretar a fé Cristã de acordo com todo aquilo que têm sido confessado por todos, em todos os tempos e em todos os lugares. Um exemplo evidente são os Credos Universais da Igreja Indivisa.

Os Reformadores Protestante, ao menos as primeiras gerações, não consideravam que houvesse um conflito entre a suficiência e supremacia das Sagradas Escrituras e os ensinos da igreja primitiva, como tinham chegado através dos escritos dos Pais da Igreja. Por esta razão, não é difícil ver constante referencias aos Pais da Igreja pelos Reformadores Protestantes, como Cranmer, Lutero, Bucer, Calvino, entre muitos outros.
A compreensão atual da Sola Scriptura tem sido mal compreendida nos últimos séculos. Isto não nos deveria surpreender quando observamos um forte espirito de divisão entre os evangélicos. Dois pontos têm causado este dilema:

1. O artigo de fé afirma o livre exame das Escrituras. Em outras palavras, o livre acesso a Bíblia para verificar aquilo que as mesmas ensinam. Isto tem sido confundido com livre interpretação, feita de forma independente da Igreja e, em muitas vezes, formação e capacidade para compreender o texto que está sendo interpretação no seu contexto imediato. Isto tem causado um sem fim de falsos ensinos, ou confusos no melhor dos casos.

2. Este artigo de fé expressa a Bíblia, como única regra de fé, rejeitando a ideia de que a tradição cristã tem a mesma autoridade que as Escrituras, como foi afirmado pela Igreja de Roma no Concilio de Trento quando se afirmou a revelação especial de Deus se encontrava tanto na Escritura Sagradas e na Santa Tradição. Esta posição é rejeitada por este artigo de fé. No entanto, existe a tentação de ignorar por completo a tradição cristã da igreja primitiva, dando pé as mais incompreensíveis interpretações e o ressurgimento de velhas heresias com novos roupagem. A tradição cristã sempre estará sujeitada a suprema e última autoridade das Escrituras, mas ela nos ajuda a interpretar corretamente a Bíblia a luz dos ensinos ortodoxos e a sã doutrina a qual a Santa Igreja de Cristo tem sempre ensinado, defendido e proclamada de geração a geração.

Este artigo de fé, igual que as outras confissões de fé das igrejas protestantes, afirma os livros que compõem o Cânon das Escrituras. A definir o Cânon naqueles livros que nunca existiram dúvida, este artigo da fé adere ao Cânon Judaico do Antigo Testamento e ao Cânon do Novo Testamento, conforme aprovador no Concilio de Hipona (393 d.C.) e confirmado no Concílio de Cartago (397 d.C.).

Uma curiosidade interessante é o fato de que os 39 Artigos da religião da "Free Church of England" e aos 39 Artigos da Religião da Igreja da Inglaterra diferem respeito aos livros conhecidos como deutero-canônicos da seguinte maneira:

FCE - define estes livros como apócrifos, e declara que não formam parte das Escrituras Canónicas; e, portanto, não devem ser usados para estabelecer doutrina alguma; nem devem ser lidos publicamente na Igreja.

Igreja da Inglaterra - lista todos os livros que formam parte do Cânon das Escrituras Sagradas, tanto do Antigo e Novo Testamento. Fala dos livros apócrifos como deutero-canônicos; e declara os outros Livros (como diz Jerônimo) a Igreja os lê para exemplo de vida e instrução de costumes; mas não os aplica para estabelecer doutrina alguma.


TEXTOS PARA MEDITAR

Salmos 119:105; Provérbios 30:5; 2 Timóteo 3.16-17; 2 Timóteo 4.2; Hebreus 4:12;



PERGUNTAS PARA REFLETIR

- O que significa que a Bíblia contém todas as coisas necessárias para a salvação?

- Qual é o papel da tradição cristã?

- Qual são as diferenças entre os Artigos da Religião da FCE e a Igreja da Inglaterra?



LIVROS PARA SEGUIR CRESCENDO NA GRAÇA

GOLDSWORTHY, Graeme, Trilogia, Editora Vida Nova, SP.

GOLDSWORTHY, Graeme, Pregando Toda a Bíblia Como Escritura Cristã, Editora Fiel, SP.

STOTT, John, A Bíblia toda, O Ano todo, Editora Ultimato, SP.


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