A função da Lei de Deus nos dias de hoje


A questão da Lei de Deus tem ocupado muitos na Igreja de Cristo. Tem causado muitas falsas acusações uns contra os outros, e tem conseguido que diversos falsos ensinos (antinomianismo e legalismo) surjam a partir de um entendimento errado da mesma.

Um dos maiores conflitos que aparece, será aquele relacionado ao uso da Lei de Deus na nova aliança. Sem dúvida, todos os cristãos que tem tomado um tempo para estudar e entender esta questão, tem uma idéia comum sobre a importância da Lei no Antigo Testamento. As diferenças sobre o papel no Novo Testamento são muito maiores das que poderemos encontrar na sua leitura no Antigo Testamento.

O Apóstolo Paulo escreve ao bispo Timóteo as seguintes palavras, “permanece em Éfeso para advertires a certas pessoas que não mais ensinem doutrinas falsas” (1 Timóteo 1:3). A natureza de tais doutrinas falsas se encontra explicada quando Paulo diz, “intentando ser mestres da lei, quando não compreendem nem o que propalam nem os assuntos sobre os quais fazem afirmações com tanta convicção” (1 Timóteo 1:7). Tal afirmação surpreende por sua atualidade, já que encontramos muitos que desejam ser mestres da lei e terminam falando heresias sem conhecer o que estão falando. Possivelmente, se todos tomássemos um tempo para refletir, nem sempre deveríamos dar nossa opinião sobre questões que não conhecemos, nem sabemos.

Quando leio pessoas negando o papel da Lei de Deus nos dias de hoje, fico surpreso de que não tenham tomado o tempo para ler simplesmente a primeira carta de Paulo a Timóteo. Se desejamos ser mestres da lei, se faz urgente conhecer todo o conselho de Deus para a Igreja de Cristo. Assim, o apóstolo Paulo afirma “sabemos, todavia, que a Lei é boa, se alguém a usa de forma adequada” (1 Timóteo 1.8). A necessidade de usar a Lei de Deus de forma adequada é de tal importância nos dias de hoje, como foi nos dias em que Paulo escreveu sua epístola ou quando os Reformadores escreveram suas confissões de fé.  

Hoje em dia, se conhece pouco sobre a Lei de Deus, porque se toma pouco tempo para ler a Bíblia e, ainda menos, para estudar as Escrituras. Se acreditássemos no poder da palavra de Deus para transformar e mudar vidas, como afirmamos, talvez tivéssemos uma atitude diferente diante dela. A Lei de Deus foi uma das questões fundamentais na Reforma, como também foi na igreja primitiva. Por isso, tanto a igreja primitiva como a igreja reformada tomaram tempo para escrever credos e confissões, onde pudesse ser conhecida de forma clara e concisa a fé Cristã. Os Pais da Igreja e os Reformadores tentaram responder os erros do antinomianismo e legalismo, como também precisamos responder a tais erros que surgem na igreja hoje.

Os 39 Artigos falam sobre a Lei de Deus da seguinte forma, “Ainda que a Lei dada por Deus a Moisés, no que respeita a cerimónias e ritos, naão obrigue os cristãos, nem devam receber-se necessariamente os seus preceitos civis em qualquer comunidade; todavia naão há cristaão algum que esteja isento da obediência aos preceitos chamados morais[1].

Se faz necessário esclarecer que o fato de ser morais, não significa que sejam individuais, ou privados, mas eles tem sem dúvida uma abrangência além das questões de índole pessoal e privada. 

Dias virão, diz o SENHOR, em que farei uma nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Ela não será como a aliança que fiz com seus pais, quando os peguei pela mão para tirá-los da terra do Egito, pois eles quebraram a minha aliança, mesmo sendo eu o senhor deles, diz o SENHOR. Mas esta é a aliança que farei com a casa de Israel depois daqueles dias, diz o SENHOR: Porei a minha lei na sua mente e a escreverei no seu coração. Eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. E não ensinarão mais cada um a seu próximo, nem cada um a seu irmão, dizendo: Conhecei o SENHOR; porque todos me conhecerão, do mais pobre ao mais rico, diz o SENHOR. Porque perdoarei a sua maldade e não me lembrarei mais dos seus pecados” (Jeremias 31:31-34)

Esta é a aliança que farei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor. Porei as minhas leis na sua mente e as escreverei em seu coração. Eu lhes serei Deus, e eles me serão povo” (Hebreus 8:10).

Com o desejo de lembrar esta eterna verdade, o uso do Livro de Oração Comum, 1662, na adoração cristã nos ajuda a lembrar constantemente a importância da Lei de Deus nos dia de hoje, já que o culto começa com a leitura dos Dez Mandamentos e nos anima a viver em obediência, tanto individualmente, como família de Deus. Se desejamos saber como viver em obediência, então se faz necessário entender a função da Lei de Deus nos dias de hoje. Ela tem três funções principais nos dias atuais, as quais são necessárias recuperar, se desejamos transformar a sociedade e fazer visível o Reino de Deus.

A FUNÇÃO CIVIL – “o uso civil ou político, de acordo ao que a lei serve ao bem comum, ou corpo político, como uma força para limitar o pecado” [2].   R.C. Sproul escreve, “A lei, por si só, não pode mudar os corações humanos. Ela pode, no entanto, servir para proteger o justo do injusto. Calvino diz que este propósito é "por meio de suas denúncias terríveis e o temor conseqüente de punição,  conterá aqueles que, a menos que forçados, não têm respeito por retidão e justiça." A lei permite uma medida limitada de justiça nesta terra, até o último julgamento é realizado.” [3] 

Todos devem sujeitar-se às autoridades do governo, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram ordenadas por ele. Por isso, quem recusa sujeitar-se à autoridade opõe-se à ordem de Deus, e os que fazem isso trarão condenação sobre si mesmos. Porque os governantes não são motivo de temor para os que fazem o bem, mas sim para os que fazem o mal. Não queres temer a autoridade? Faze o bem e receberás o louvor dela. Porque ela é serva de Deus para o teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não é sem razão que ela traz a espada, pois é serva de Deus e agente de punição de ira contra quem pratica o mal. Por isso é necessário sujeitar-se a ela, não somente por causa da ira, mas também por causa da consciência.” (Romanos 13.1-5)

Sujeitai-vos a toda autoridade humana por causa do Senhor, seja ao rei, como soberano, seja aos governadores, como por ele enviados para punir os praticantes do mal e honrar os que fazem o bem.” (2 Pedro 2:13-14)

Reconhecendo que não é feita para o justo, mas para transgressores e insubordinados, incrédulos e pecadores, ímpios e profanos, para os que matam pai e mãe e para homicidas, devassos, homossexuais, exploradores de homens,* mentirosos, os que proferem falsos juramentos e para todo o que é contrário à sã doutrina, a qual está em harmonia com o que me foi confiado, a saber, o evangelho da glória do Deus bendito” (1 Timóteo 1:9-11).

A FUNÇÃO PEDAGÓGICA - “O uso pedagógico; em outras palavras, o uso da lei para confrontar e refutar o pecado e para o propósito de nortear o caminho a Cristo” [4]. Esta função da lei mostra o pecado do homem e mostra sua necessidade para Cristo. Em Romanos 3:20, o apóstolo Paulo nos mostras exatamente isto, “Porque ninguém será justificado diante dele pelas obras da lei; pois pela lei vem o pleno conhecimento do pecado.”

A FUNÇÃO NORMATIVA - “Pertence aos cristãos em Cristo que tem sido salvos por fé à parte das obras. Na vida regenerada, a lei não tem mais a função condenatória, já que não tem mais a função pedagógica contra o homem, como a base para a salvação, mas atua como uma norma de conduta, aceita livremente por aqueles em que a graça de Deus trabalha o bem.” [5] Em João 14:15, Jesus diz, “Se me amardes, obedecereis aos meus mandamentos.”

“Gosto de fazer a tua vontade, ó meu Deus; sim, tua lei está dentro do meu coração” (Salmos 40:8).

Vós mesmos sois a nossa carta, escrita em nosso coração, conhecida e lida por todos, manifestos como carta de Cristo, ministrada por nós, escrita não com tinta, mas pelo Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de corações de carne” (2 Coríntios 3.2-3).

Estas são as três funções principais da Lei de Deus hoje. Existem muitos problemas atuais na Igreja de Cristo referentes à Lei de Deus. Se faz necessário reconsiderar aquilo que pensamos sobre a lei de Deus, e ver se está em conformidade com as Escrituras. Este será um grande passo para corrigir de forma saúdavel os erros que os falsos mestres da lei tem ensinado nos dias de hoje, combatendo o legalismo e antinomianismo existente na igreja brasileira.

O autor, J. Gresham Machen, escreveu, “Uma proclamação nova e mais poderosa desta lei é talvez a necessidade mais urgente deste tempo; os homens teriam poucas dificuldades com o evangelho, se tivessem somente aprendido a lição da lei... Assim tem sido sempre: um ponto de vista baixo da lei sempre traz legalismo na religião; um ponto de vista alto faz um homem buscar sempre a graça. Oremos a Deus que o ponto de vista alto sempre prevaleça de novo.” [6]

Sejamos firmes em lutar contra os falsos mestres da lei que surgem nos dias atuais, e seguir os ensinos de Cristo em obediência e ações de graça.

Que a graça do nosso Senhor, Jesus Cristo, esteja sempre conosco, e a sabedoria de Deus nos oriente cada dia, e o poder do Espírito nos ajude a ser fiéis servos de Deus, hoje e sempre. Amém.


REFERÊNCIAS:

[1] Se deseja entender melhor sobre a triple divisão da Lei de Deus, recomendo a leitura do livro de Jonathan F Bayes, ‘The threefold divisions of the law,’ The Christian Institute, UK. http://www.christian.org.uk/wp-content/downloads/the-threefold-division-of-the-law.pdf

[2] Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms.  (Grand Rapids:  Baker Books, 1985), 320.

[3] R C Sproul, “The Treefold Use of the Law.” http://www.monergism.com/thethreshold/articles/onsite/sproul/threefold_law.html

[4] Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek Theological Terms.  (Grand Rapids:  Baker Books, 1985), 320.

[5] Ibid, 321.

[6] J. Gresham Machen, What is Faith?  (Grand Rapids:  Wm. B. Eerdmans Publishing Co., [1925] 1974), 141-142.


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