As igrejas evangélicas tem uma grande dificuldade de viver com diferenças nelas. Tudo parece ser um motivo para dividir-se e seguir caminhos separados. Nem precisam ser temas centrais da fé Cristã, mas também são causados por questões teológicas mais obscuras, e quando falo obscuras, me refiro a dificuldades de questões onde as Escrituras não são definitivas, e existem textos bíblicos que apontam a diversas possíveis soluções. Como já comente, e a falta de caridade na igreja evangélica é evidente nos dias de hoje.
Não estou falando sobre doutrinas necessárias para salvação, mas aquelas
que podem ser consideradas secundárias ou, inclusive, indiferentes, ainda que a
relevância vai depender em grande medida da posição dos proponentes de tais doutrinas.
Em outras palavras, aquilo que não tem relevância para mim, poderia ser uma
questão fundamental para outros. Por exemplo, toda a questão relacionada com Supralapsarianismo,
Infralapsarianismo e Amyraldismo, alguns acreditam que é uma questão
fundamental, enquanto outros acreditam que é uma questão indiferente.
Temos que perceber que existe um perigo muito grande com a falta de
caridade naquelas questões que divergimos. Não à toa, tem causado mais divisões
estas questões não essenciais para a salvação do que sejamos conscientes. Isto
é um paradoxo, porque Jesus Cristo foi claro sobre a importância fundamental da
unidade dos cristãos para dar um bom testemunho (João 17). Não estou falando de
doutrinas necessárias à salvação, como alguns pensarão imediatamente, mas estou
falando das doutrinas indiferentes. Sei que tem cristão que não consegue diferenciar
uma da outra.
Isto tem causado grandes problemas na história da Igreja de Cristo.
Permitam que dê um exemplo. A Igreja Presbiteriana Independente surgiu a partir
de um cisma da Igreja Presbiteriana do Brasil. Tinha diversas questões
envolvidas, como a maçonaria, divergência de perspectivas de trabalho e
planificação missionária, provocando uma situação que acabou nesta separação.
Eu não acho que houvesse pessoas maldosas com motivações enfermas que levaram a
tal situação, simplesmente cristãos que desejavam servir a Deus no melhor das
suas habilidades. Infelizmente, isto causou uma situação que terminou em outra
divisão.
A IPI foi fundada em 1903, e sofreu a primeira divisão em 1940 quando,
após dois anos de debates e discussões internas sobre questões doutrinárias, a
2ª Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo desligou-se para tornar-se
Igreja Presbiteriana Conservadora de São Paulo. A questão versava
principalmente sobre a doutrina das "Penas Eternas" ou do
"Sofrimento Eterno dos Ímpios." (Wikipedia)
Logo, outras divisões aconteceriam entre as igrejas presbiterianas.
Contudo, não devemos pensar que isto é único dos presbiterianos, porque não é
na verdade. Todas as confissões cristãs tem sofrido a mesma tragédia desde a
Reforma Protestante, em maior e menor medida.
Eu vivi uma situação trágica nos primeiros anos de vida, quando me
congregava em uma igreja batista. Esta igreja batista se dividiu pelas tensões
causadas pelo debate ao redor de se os cristãos poderíamos levantar as mãos ou
não, como um símbolo visual de adoração. Infelizmente, a divisão causou mais
divisões, terminando com duas divisões nesta igreja. Gostaria de poder dizer
que foi a única vez na história desta igreja batista, mas descobri que tinha
uma longa história de divisões. O problema era a falta de amor, não as
divergências de doutrinas ou culto que terminaram causando as divisões.
A Igreja precisa recuperar uma verdadeira vivência do amor de Deus, se
desejamos fazer discípulos de Cristo. Isto significa amar a Deus e amar ao
irmão como a nós mesmos. Contudo, se permitimos que o intelectualismo e o
academicismo entre na igreja, o amor dá lugar as questões acadêmicas e os
debates intelectuais. Estes são importantes para a vida da igreja, mas não são
o seu centro. Afinal de contas, você pode defender a doutrina certa e viver
como um verdadeiro pagão. Precisamos viver as Escrituras, e seguir o exemplo de
Cristo.
Isto é causado quando as igrejas terminam sendo governadas e lideradas pelos
pastores e os mestres. Não estou falando das ordens sagradas aqui, mas dos dons
espirituais. Não estou negando a importância deles. Eu acredito que a Igreja de
Cristo precisa sim, com urgência, de melhores mestres e de atentos pastores,
contudo a Igreja não pode estar submetida a estes dons, porque termina causando
igrejas pouco saudáveis. Lembremos que a Igreja de Cristo está fundamentada
sobre os apóstolos e profetas, sendo Jesus Cristo a pedra principal. Os evangelistas
foram verdadeiros impulsores do evangelho de Cristo nos territórios onde os
apóstolos já tinham chegado, e onde os profetas atuavam eficazmente para
orientar a Igreja de Cristo, com a ajuda dos mestres e pastores que instruíam e
cuidavam dos cristãos, e juntos edificavam o corpo de Cristo.
“E ele mesmo deu uns para
apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para
pastores e doutores, Querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do
ministério, para edificação do corpo de Cristo; Até que todos cheguemos à
unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida
da estatura completa de Cristo, Para que não sejamos mais meninos inconstantes,
levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com
astúcia enganam fraudulosamente. Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos
em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, Do qual todo o corpo, bem ajustado, e
ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte,
faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor.” (Efésios 4:10-16)
Isto não poderá acontecer se a Igreja de Cristo está em mãos dos mestres
e pastores, porque os mestres estão preocupados em responder os detalhes mais
mínimos das questões que são levantadas, sem perceber se tem suficientes
fundamentos para estar certos. Assim, se encontram envolvidos em profundos
debates sem fim que, em muitas ocasiões, não edificam o corpo de Cristo, mas
trazem divisões como temos visto. Ao mesmo tempo, os pastores ficam preocupados
de que os cristãos estejam sempre bem atendidos, e qualquer questão levantada
que incomoda termina resultando em um potencial conflito e lamentações, como
observamos em Atos. Assim, a Igreja precisa de todos os dons ministeriais para resolver
eficazmente os desafios que se apresentam na Igreja e edificar o corpo de
Cristo. Isto inclui também os mestres e pastores, mas não só eles.
Em Atos 6.7, lemos um dos primeiros “relatórios” da igreja primitiva onde
explica aquilo que acontece no Atos 5. Assim diz tal relatório, “E crescia a
palavra de Deus, e em Jerusalém se multiplicava muito o número dos discípulos,
e grande parte dos sacerdotes obedecia à fé.”
A multiplicação de discipulados era essencial à vida da Igreja em
Jerusalém, e o evangelho ocupava o centro de tal vida em comum.
Houvesse sido muito fácil para os apóstolos distrair-se da missão de
Deus através da oração e da pregação da palavra para dedicar-se em eternas
discussões entre as diversas interpretações das Escrituras, mas atuaram com
sabedoria. Os diversos partidos judaicos sofriam disso, e o apóstolo Paulo era
conhecedor das suas divergências, como mostra o fato que o próprio Paulo usa
isso para escapar de uma situação complexa em Atos 23:6-12. Se as questões
indiferentes ocupam o lugar das doutrinas necessárias para a salvação, então o
evangelho é relegado a segundo plano.
A sabedoria mostrada pelos apóstolos somente é possível, se somos
guiados pelo Espírito Santo. E permitimos que o evangelho seja o motor central
da Igreja de Cristo. Exemplos como Tomas Cranmer, John Newton, J C Ryle, John
Stott, e J I Packer, entenderam com clareza. A pregação do evangelho e a
palavra de Deus é fundamental para sustentar a Igreja de Cristo.
Foi a decisão de que o ministério da palavra fosse protegido e o
evangelho foi priorizado que Deus manteve adicionando a igreja. Não
simplesmente crescimento numérico, mas também espiritual. Por outro lado,
quando enfatizamos questões indiferentes ou doutrinas controvertidas
desnecessárias para a salvação e a missão de Deus, assim termina freando a
missão de Deus e impedindo a pregação do evangelho, causando divisão na Igreja
de Cristo, e sendo um terrível testemunho para o mundo.
Se a Igreja de Cristo tem sido capaz de criar a Aliança Evangélica
Mundial, onde a maioria dos evangélicos do mundo todo trabalham sob uma
declaração de fé comum, então acredito que se é possível encontrar um acordo
naquilo que é essencial do que não é.
Possivelmente, uma das características que mais gosto dos 39 Artigos é
que não tenta esclarecer todos e cada um dos pontos controvertidos, nem
explicar todas as questões de fé e doutrina na mesma. E, ao mesmo tempo, os
cristãos que tem e defendem diversas posições, podem encontrar as mesmas refletidas
nestes artigos da fé cristã. Isto faz dela uma das melhores confissões de fé
cristã, ao meu ver.
Existe uma diferença entre fazer discípulos, e fazer teólogos e mestres.
O primeiro chamado é fazer discípulos, e os teólogos nos ajudam a fazer isso,
contudo seria um erro pensar que um discípulo é um teólogo. A Igreja de Cristo
precisa aprender novamente a arte de fazer discípulos. Os evangélicos temos
sido muito ruins em fazer discípulos, e muitas igrejas confundem discipulado
com conhecimento, quando a verdade é caráter, vida, conhecimento e obediência,
entre outras coisas.
A idéia de que discipulado é idêntico a conhecimento, tem sido a influência
da modernidade na Igreja de Cristo que criou o Cristianismo, como um sistema de
pensamento e uma ideologia, e não com um estilo de vida formado pelas Sagradas
Escrituras.
Por outro lado, ainda mais trágico são as igrejas que nem conhecimento
de Deus têm, e ignoram as vozes daqueles que caminharam a jornada cristã,
pregaram o evangelho e ensinaram as Escrituras sem medo. Isto tem feito que as
igrejas estejam cheias de membros, mas não de discípulos.
Não estou promovendo o anti-inteletualismo existente em muitos círculos
cristãos, mas a necessidade de fazer discípulos e perceber aquilo que é
necessário para salvação das questões indiferentes.
Tampouco estou propondo que pregar o evangelho seja somente trazer
pessoas à igreja, e fazer uma oração de entrega a Jesus, como Senhor e
Salvador, como se isso fosse tudo o que é necessário. Isto não é o alvo final.
Jesus Cristo nos ordenou fazer discípulos; em outras palavras, pecadores salvos
pela graça que crescem na graça, celebram os sacramentos, vivem em comunidade
e, finalmente, são capazes de ajudar outros a ser discípulos. Somente teremos
certeza que somos discípulos maduros quando somos capazes de fazer discípulos
de Cristo... e isto é muito mais que simplesmente transferência de
conhecimento, ainda que inclui isto também.
Somos chamados a fazer discípulos de cada nação, língua, povo e cultura.
Isto significa que nem todos vão a pensar, atuar, expressar-se ou viver como
nós. Sinceramente, tampouco é o alvo de que as pessoas sejam como nós, mas que
sejam como Jesus Cristo.
Este chamado é um chamado para todos os discípulos de Cristo, e não
somente para os ministros ordenados. Neste sentido, todos somos ministros de
Deus, ainda que nem todos temos as ordens sagradas.
A Igreja de Cristo precisa equipar e instruir o povo de Deus para
evangelizar, instruir e viver conforme Jesus Cristo nos ensinou e ser
santificados pelo Espírito Santo. Começa a compartilhar o evangelho onde você
está, não espere um milagre acontecer, você é o milagre da salvação para as
pessoas que estão ao seu redor. Esqueçamos dos títulos e posições, e busquemos
servir a Deus no dia a dia. Exatamente como aconteceu na igreja em Atos, se a
palavra de Deus se forma em nós, seremos transformados para toda boa obra e, a
partir da obediência às Escrituras, começará a fluir a perfeita vontade de Deus
através da Igreja de Cristo.
Quando o evangelho é central, lembremos como Deus nos salvou dos nossos
pecados. Sempre tenhamos presente que não é por alguma coisa que nós fôssemos
capazes de fazer ou que realmente foi feita, mas simplesmente foi fruto do amor
e misericórdia de Deus pelo seu povo eleito que nos alcançou e fez que
passássemos da morte à vida espiritual. Deus abriu os nossos ouvidos
espirituais para escutar as boas novas. Mas não fez somente isso, Ele também
enviou alguém para compartilhar o evangelho. Foi alguém obediente a Deus que superou
os seus temores para ser um testemunho de Cristo, e tomou tempo para
ensinar-te, orar por ti, e ajudar-te a crescer na fé.
E, agora, és um discípulo de Cristo. Cada discípulo é diferente de outro,
não tente que os outros sejam como você. Isto é um dom de Deus, mas ainda sendo
diferentes, todos temos o mesmo chamado fazer discípulos de Jesus Cristo. Não
escapes de tal responsabilidade, não tentes dar evasivas pela falta de
envolvimento na missão de Deus. Se, realmente, deseja seguir os caminhos de
Cristo, então precisa pregar o evangelho e participar ativamente na missão de
fazer novos discípulos de Cristo. O que estás esperando para ser alguém que
faça o mesmo que outros fizeram por ti?
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