Uma identidade reformada em positivo


Há algumas semanas comecei uma série sobre pensamentos a respeito dos Anglicanos Reformados, com o artigo, “Biblicamente confessamos além das confissões.”

No artigo de hoje, desejo refletir sobre o que faz o Anglicanismo ter uma identidade reformada em positivo.

Os Anglicanos acreditamos em Deus. Como Cristãos, acreditamos em Jesus Cristo, através somente dEle somos reconciliados com Deus e podemos conhecer a Ele pessoalmente. Os Anglicanos, também, acreditamos no Espírito Santo, que foi prometido por Jesus e que foi enviado por Deus, como cumprimento da promessa de Jesus. Portanto, os Anglicanos reformados temos como a base da nossa fé uma fé totalmente, e absolutamente, Trinitária. Isto define quem somos mais que qualquer outro fator.

Não à toa, esta crença no Deus Trino, determina como fazemos as coisas; por exemplo, o Batismo é feito em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Com certeza, todos os Cristãos acreditam na Trindade, e sou consciente disso. MAS o Anglicanismo faz desta afirmação o início na sua confissão de fé, antes de que falamos das Escrituras ou o homem. Os primeiros artigos dos 39 Artigos da Religião falam da Trindade, sendo o centro e a razão da nossa fé Cristã.

Acredito que isto seja em parte, porque a identidade reformada do Anglicanismo seja uma identidade em positivo. Primeiro, afirmamos e, depois, mostramos aquilo que somos em diferença aos outros.

Que faz os Anglicanos reformados diferente de outros cristãos reformados?

Não muita coisa, na verdade. Como outros cristãos reformados, os Anglicanos reformados acreditamos nas Escrituras, e temos nela a autoridade divina, como já comentei no primeiro artigo desta série, leia aqui.

Os 39 Artigos da Religião dizem, “As Escrituras Sagradas contêm todas as coisas necessárias para a salvação; de modo que tudo o que nela não se lê, nem por ela se pode provar, não deve ser exigido de pessoa alguma que seja crido como artigo de Fé ou julgado como exigido ou necessário para a salvação. Pelo nome de Escrituras Sagradas entendemos os Livros canônicos do Antigo e Novo Testamentos, de cuja autoridade jamais houve qualquer dúvida na Igreja.” (Artigo VI)

Os Anglicanos reformados entendemos que não é só permitido aquilo que as Escrituras falam, mas também aquilo que não seja contrário aos ensinos e doutrinas das Escrituras. Em outras palavras, a Bíblia não fala em detalhe sobre a ordem de culto, estilo de música, roupa, entre outras coisas. Portanto, temos liberdade cristã nestas questões, sempre e quando não se quebre os ensinos da Bíblia.

Os Anglicanos reformados acreditamos que a vida Cristã flui de uma vida regular de oração e adoração, tanto do cristão privadamente como da congregação reunida. Isto faz que se enfatize muito uma vida de oração e devoção em família, individualmente, e um ritmo de vida através da Oração Matutina e Vespertina. Não faz muito tempo, os Ministros da Igreja de Inglaterra precisavam diariamente fazer, tanto a Oração Matutina como a Vespertina. Assim, os Ministros eram nutridos pela Palavra de Deus e o Espírito Santo, sendo renovados no seu serviço ao povo de Deus.

Ao mesmo tempo, acreditamos que devemos viver aquilo que pregamos e oramos, tanto o Dia do Senhor (domingo quando nos reunimos para adoração) como cada dia das nossas vidas, como buscamos viver nossa adoração onde estamos. Isto só é possível, se toda a Palavra de Deus é escutada e pregada. Por este motivo, os Anglicanos reformados lemos toda a Bíblia a cada ano, inclusive mais de uma vez alguns livros. Inclusive, se usamos o Saltério, estaremos lendo todos os salmos mensalmente.

Outra questão que acreditamos, é que as pessoas são membros da Igreja de Deus através do Batismo, e celebramos a Ceia do Senhor, como um memorial (anmesis) onde nós encontramos com Jesus. São sacramentos, são sinais visíveis de uma graça invisível.

Os 39 Artigos da Religião dizem, “Os Sacramentos instituídos por Cristo não são unicamente designações ou indícios da profissão dos cristãos, mas antes testemunhos certos e firmes, e sinais eficazes da graça e da boa vontade de Deus para conosco, pelos quais ele opera invisivelmente em nós, e não só vivifica, mas também fortalece e confirma a nossa Fé nele.” (Artigo 25)

Afirmamos, portanto, nos Credos universais, como sumários fiéis à fé Cristã. E os expressamos quando nos reunimos, como família de Deus, para orar e adorar a Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

Então, realmente, que é distintivo sobre o Anglicanismo reformado?

PRIMEIRO, a história, sem nenhuma dúvida. O Anglicanismo tem uma história bem distintiva. Isto se reflete tanto no sentido de que a fé Cristã que afirmamos nos foi confiada por aqueles que caminharam antes de nós, como o fato de que não nascemos ontem.

Os Anglicanos reformados entendemos que não somos uma nova igreja. Somos a igreja cristã antiga, como se desenvolveu na Grã Bretanha através dos séculos, e que precisou de uma reforma, devido às corrupções, erros e heresias que adentraram na Igreja de Cristo na Idade Média.

A história tem formado nosso caráter, e tem ajudado a viver uma fé Cristã em positivo. Isto faz que, ainda tendo muito claro o que cremos e somos, não temos medo de compartilhar o caminho com outros cristãos, sejam ou não iguais a nós.

Contudo, a nossa conexão com a história não está baseada somente nos eventos do passado. Ela é vivida através do culto. Assim, o culto se faz parte da nossa história, como revivemos a história redentora de Deus através da história. Céu e Terra se unem em espaço e tempo para fazer visível a Igreja invisível. No culto, os Anglicanos reformados temos a certeza de estar unidos com a companhia dos santos, presentes e passados, e aos anjos e arcanjos diante do trono da graça em louvor e adoração Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Por um instante, o passado, o presente e o futuro se unem com a eternidade através do Espírito Santo.

O culto a Deus nos envia ao mundo a servir e amar a Deus, em nome de Jesus Cristo. Assim, somos embaixadores de Cristo na comunidade, no emprego, na escola, onde quer que estejamos. Somos Cristo para aqueles que entram em contato conosco. Com a missão, de transformar o mundo para a glória de Deus.

Os Anglicanos reformados entendemos que em um sentido autêntico, todos os cristãos somos ministros (servos) e, juntamente, compartidores com Cristo no sacerdócio real. Cada cristão está chamado a ser um testemunho e viver a fé Cristã em todas as esferas de sua vida em voluntária submissão ao Senhor, Jesus Cristo.

Isto não nega o fato de que, na misteriosa graça de Deus, Ele escolhe alguns entre os cristãos para ser ordenados (diáconos e presbíteros) pela imposição de mãos dos bispos, como pais na fé e principais entre iguais. Deste modo, a história da Igreja de Deus continua de uma geração a outra geração, como um sinal de que as gerações anteriores passam a responsabilidade de manter a fé viva, o mandato de pregar o evangelho e batizar a eles, e a missão de ensinar as nações a obedecer aquilo que Jesus falou.

A história se revive através das diversas culturas que expressam nossa fé e oração comum, mostrando a diversidade na unidade. Ainda sendo a Igreja de Deus na Inglaterra, esta não se limita somente à Inglaterra, mas é global e atual, fazendo realidade a expressão que a Terra, talvez, hoje mais que nunca seja plana (recomendo a leitura do livro, “O mundo é plano” de Thomas L Friedman).

SEGUNDO, o mundo. Os Anglicanos reformados acreditamos no mundo. Não entendemos que seja o nosso inimigo. Somos conscientes, e tanto, do que acontece no mundo. Observamos com tristeza o pecado no mundo, nas pessoas e nas igrejas. Contudo, os Anglicanos reformados temos a absoluta certeza de que Deus continua atuando soberanamente em cada aspecto do universo, como o conhecemos. De fato, uma das passagens mais usadas fala exatamente do amor de Deus pelo mundo (cosmos), sua criação, leiamos João 3:16, “Porque Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (meu ênfases para ressaltar o ponto).

Assim, os Anglicanos reformados esperamos, e sabemos, que Deus está presente na vida diária das nações, nas famílias, nas comunidades, como na Igreja. Na Inglaterra, ainda não em nenhum outro lugar, a Igreja Anglicana está profundamente envolvida na vida oficial da nação, como a “igreja estabelecida.” Os Anglicanos reformados acreditamos que a Igreja tem um papel profético na vida publica de uma nação. Entendemos que os governantes tem que ser verdadeiramente tementes a Deus e obedecer os Mandamentos de Deus, dentro da sua esfera de autoridade e poder.

Os 39 Artigos da Religião dizem, “O Chefe do Estado tem autoridade suprema no seu país, contudo não tem recebido autoridade para ministrar a Palavra de Deus e os sacramentos. Reconhecemos apenas como sua prerrogativa, a qual tem sido dada por Deus na Sagrada Escritura a todos os governantes piedosos, o dever de governar justamente sobre todos os estados e pessoas sobre sua responsabilidade, e restringir toda maldade, manter o ordem e julgar malfeitores e criminosos. O Bispo de Roma não tem autoridade em esta Republica” (Artigo 37).

Os Anglicanos reformados, regularmente, oramos pela Presidente do Brasil, as autoridades civis e religiosas, como os líderes da nossa nação nas mais diversas esferas de poder (empresários, professores, associações de moradores, sindicatos, artistas, entre outros); como também pelas necessidades diárias das pessoas, e os assuntos do dia a dia. Deste modo, cremos sinceramente que Deus está envolvido em todos os aspectos e partes da vida diária.

TERCEIRO, a liberdade. Os Anglicanos reformados acreditamos na liberdade cristã. Com alicerce firme na Bíblia, no LOC, nos 39 Artigos, no Catecismo e nos Cânones, os Anglicanos reformados estamos em uma posição para tolerar diversidade e variedade de expressões de prática, vida e crenças não-essenciais. Talvez, este seja um ponto de grande divergência com outros cristãos reformados. Os Anglicanos reformados não tentamos saber tudo sobre tudo, entendemos que existem questões onde existem mais de uma perspectiva e é possível conviver com esta diversidade no meio de nós.

Possivelmente, muitos reformados se sentem incomodados com esta idéia, porque acreditam que pode dar pé à diversidade de erros na Igreja. Infelizmente, a Igreja sempre teve mais de uma posição em diversas questões. O problema não se encontra nas Escrituras, mas como esta é interpretada por homens falhos. Assim, os Anglicanos reformados sabemos que a Igreja, nos sínodos e concílios, errou no passado e, com certeza, pode errar no presente e no futuro.

Os 39 Artigos da Religião dizem, “Os Concílios Gerais podem errar, e tem errado, ainda nas coisas pertencentes a Deus. Portanto, as coisas ordenadas por eles como necessárias para a salvação não tem nenhuma força, nem autoridade, a menos que seja claramente ensinada na Sagrada Escritura” (Artigo 21).

Entendemos que existe um grande perigo quando os cristãos individualmente tentam desenvolver doutrina, sem olhar o que a Igreja sempre tem crido e, em mútua participação, com outros teólogos e ministros reunidos sob o poder do Espírito Santo. Sabemos, e afirmamos, que isto não impede o erro, mas temos plena consciência que maiores erros tem sido feitos através da interpretação individual, isolada da Igreja.

Os Anglicanos reformados afirmamos a liberdade cristã, e ensinamos que esta deve ser vivida em santidade, paz, fé, amor e comunhão os uns com os outros.

FINALMENTE a Igreja, os Anglicanos reformados acreditamos que somos parte da Igreja de Deus, una, santa, católica e apostólica. Não somos a única Igreja de Deus, mas somos a Igreja de Deus, expressada plenamente através da identidade cristã reformada em positivo.

Não somos a única tradição Cristã, nem somos a mais perfeita de todas, mas acredito que o Anglicanismo reformado é a melhor das expressões da Igreja de Deus quando vivida na sua plenitude, e a pior expressão quando não é vivida.

Os Anglicanos reformados desejamos aprender com os outros cristãos e compartilhar a jornada com os cristãos reformados, enquanto proclamamos o evangelho e fazemos visível o Reino de Deus.

Seguimos conscientes que a igreja reformada sempre se está reformando, estando aberta à direção do Espírito Santo para ser reformada novamente quando erro entra nela.

E, por último, desejamos ser um com os outros cristãos que, através do Espirito, confessam a Jesus Cristo, como Senhor e Salvador, para a glória de Deus Pai.



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