Não nascemos ontem


A maioria dos cristãos não tem problemas em começar uma nova igreja sem mais. Esquecer dos costumes e práticas cristãs, e começar o Cristianismo todo de novo. De fato, isto não pode ser considerado uma Reforma, mas um Recomeçar do zero, já que reformar implica fazer algo novo do que já existe, e o que muitos líderes cristãos tem feito é recomeçar tudo do zero a partir da sua interpretação das Escrituras. Isto é o que tem acontecido uma e outra vez desde a Reforma Protestante. Talvez, não era o que pretendiam os reformadores, mas é o que tem acontecido de fato.

Acho interessante demais, quando vejo uma placa de igreja e leio nela o nome do fundador, "apóstolo ou profeta ou bispo ou missionário." A Igreja tem esquecido inclusive que a Igreja foi fundada pelo próprio Jesus Cristo.

Sem dúvida, era necessária a Reforma que aconteceu no século 16, contudo este movimento reformador foi incapaz de manter a unidade. Deste modo, temos visto nos últimos anos surgir milhares de igrejas que se dividem de outras igrejas sem mais nem menos. Hoje em dia, estas são causadas por lutas de poder, desejo de protagonismo, líderes corruptos, mudanças de visão, ou falta de maturidade. Poucas divisões atuais são causadas por heresias, erros ou questões realmente sérias.

Só precisamos ver o número de "igrejas" que tem surgido apenas no Brasil nos últimos anos: Sara Nossa Terra, A Videira, Fonte da Vida, Sal da Terra, entre outras. E, isso, sem falar nos diferentes movimentos (igreja emergente, igreja emergindo, igreja simples, igreja alternativa, igreja com proposito, igreja em células, G-12, missão integral, apóstolos e profetas, etc.) ou diversos evangelhos (da prosperidade, cura e libertação, maldição hereditária, teologia de libertação, e assim adiante), os quais tem centenas de mini-denominações neles. Hoje, fica difícil ter certeza do que realmente é o Evangelho. Cada um interpreta aquilo que entende, sem ter um conhecimento amplo das próprias Escrituras, ou da história da Igreja.

As novas igrejas tem esquecido as palavras do apóstolo Paulo aos Tessalonicenses, "Então, irmãos, estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa" (2 Thess. 2.15). O mesmo conselho também encontramos nas epístolas aos Corintios, "Eu os elogio por se lembrarem de mim em tudo e por se apegarem às tradições, exatamente como eu as transmiti a vocês" (1 Cor. 11.2).

Entendo que as dificuldades e erros aparecem nas igrejas, exatamente, quando esquecemos as tradições dos apóstolos e, infelizmente, estas são ocupadas pelas tradições dos homens (Mateus 15:3, Colossenses 2:8, entre outros textos). Isto é o que acontece em muitas das novas igrejas que surgem no Brasil, como foi o que aconteceu na Igreja ocidental na Idade Média. Diante disso, é necessária uma resposta. E a Reforma Protestante foi uma resposta à corrupção, abusos e excessos da Igreja de Roma na idade média, também hoje estamos enfrentando os mesmos erros que foram cometidos.

Sou anglicano, porque entendo que a igreja não nasceu ontem. Não é uma nova igreja surgida de uma nova revelação, doutrina ou líder, mas ela foi fundada pelo próprio Jesus Cristo, estando fundamentada sobre os apóstolos e profetas (Efésios 2.20). A Igreja é a "coluna e fundamento da verdade" (1 Tim. 3.15).

Em Judas 3, lemos "exortando-vos a pelejar pela fé uma vez para sempre confiada aos santos..." Esta é a fé Cristã que os Anglicanos acreditamos. Esta fé não surgiu ontem, foi vivida através dos séculos diante de perseguição, heresias, conflitos e mudanças radicais.

Por este motivo, a Igreja de Inglaterra viveu em tensão e constante Reforma por mais de um século. Isto foi devido a que a Reforma Inglesa desejava reformar a Igreja dos erros, superstições e abusos do Catolicismo Romano durante a idade média e, deste modo, levar à igreja as práticas cristãs primitivas e a sã doutrina.

Contudo, não aceitou a premissa de remover intencionalmente todas as práticas, costumes ou doutrinas só porque eram compartilhadas com a Igreja de Roma, ou lembravam a ela. O fato que Roma as usasse, não era motivo para eliminar o seu uso da igreja, porque o que determinava se uma prática (ou doutrina) devia permanecer sendo usada (ou ensinada) era se estava em conformidade com as Escrituras, ou se era contrária aos ensinos das Escrituras.

Eles entendiam que as doutrinas Cristãs tinham que ser universais, conforme Vicente de Lerins tinha dito, "aquilo que tem sempre sido acreditado, em todos os lugais e por todos." Afinal de contas, lemos em Hebreus 13:7-9, "Lembrai-vos dos que vos governaram, os quais vos falaram a palavra de Deus, e comtemplando o fim do seu procedimento, imitai a sua fé. Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje, e para sempre.Não vos deixeis levar por doutrinas várias e estranhas; porque boa coisa é ter o coração confirmado pela graça, e não por viandas, que não aproveitaram aos que delas cuidaram."

Se Jesus Cristo não muda, porque deveria mudar aquilo que acreditamos ou que somos?

Portanto, os Reformadores Ingleses mantiveram todos os costumes, doutrinas e práticas cristãs que sempre estiveram presentes na Igreja Cristã desde o princípio, mas removeram, mudaram e eliminaram todos os erros, superstições e falsas doutrinas que haviam sido adquiridas através dos séculos anteriores a Reforma. Em outras palavras, a decisão não foi tomada pelo fato de que se os costumes e práticas eram católicas romanas, mas se estas eram contrárias às Escrituras.

Ao mesmo tempo, a Igreja de Inglaterra concordava com os ensinos que chegavam à Inglaterra dos Reformadores Continentais (Martinho Lutero e João Calvino, entre outros), como sendo fiel às Escrituras e ensinando a sã doutrina dos apóstolos, ainda que decidiu manter o governo episcopal e uma liturgia fiel (o Livro de Oração Comum) à tradição dos apóstolos e às Escrituras.

Sou Anglicano, porque o Anglicanismo representa a pureza da igreja primitiva, porque mantém todas as verdades bíblicas, os costumes e práticas da igreja primitiva sem medo, mas remove com firmeza todos os erros que foram entrando na igreja durante a Idade Média.

Temos claro quem somos, porque sabemos de onde estamos vindo. Não somos uma invenção do Rei Henrique VIII, porque a Igreja já existia na Inglaterra desde o século I, contudo a Igreja foi reformada (depois da morte de Henrique VIII) dos erros romanistas para voltar às verdades dos primeiros cinco séculos e olhar com esperança o futuro.

Sou Anglicano, porque afirmo a simplicidade da verdade quando aclamamos os Credos, afirmamos os 39 Artigos da Religião, adoramos através do Livro de Oração Comum, vivemos os sacramentos de Cristo, aclamamos a Trindade, e entendemos que somos portadores de um Tesouro que nos foi confiado para transmitir à próxima geração.

Ser Anglicano significa ser cristão, e reconhecer que a Igreja não nasceu ontem, mas tem 2.000 anos de história.
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